Castello Rafael Olinto out.22

 

A tempestade aumenta. Apresso-me em direção à Estação Flamengo, do metrô do Rio de Janeiro. Passageiros se aglomeram diante dos guichês. Guarda-chuvas, como espadas negras, se chocam ao vento. Goteiras, poças, sujeira. Na confusão, alguém me agarra pelo braço. Tento escapar, mas logo entendo que não é um empurrão, e, sim, um pedido de socorro. “O senhor deve ser médico”, uma mulher me diz. “Estou passando muito mal.”

Explico que não sou médico, mas ela me ignora. “Claro que é médico, por que mente?” A mão fria e úmida continua presa a meu braço. Unhas longas e pulseiras que me espetam. Na esperança de que ela me ouça, puxo-a a um canto. “Estou tendo uma crise de labirinto”, a mulher me diz. “Não consigo andar, tudo gira.”

“O que posso fazer pela senhora?” Responde que não sabe, que o médico sou eu, ela é só a paciente. Há uma farmácia ali perto e saberei os remédios corretos a comprar. Também sofro de tonturas, também os ouvidos me lançam em um labirinto de vertigens. Sei o que a mulher sente. Tem seus 60 anos, mas ainda é forte e, no entanto, está desesperada. Só me resta acompanhá-la.

Tento lembrar dos nomes de remédios que usei no passado. Um para náuseas, outro para vertigens. Diante do vendedor, faço o pedido, com a convicção dos loucos. Sou um charlatão. Não sei, nem mesmo, se é do labirinto que a mulher sofre. Mas não posso negar que sofre e a urgência exige que eu não pense, apenas aja.

Agora saímos da farmácia. Ela se ampara em mim, passos tortos, está pálida. Ainda insisto: “Não é melhor a senhora procurar um posto médico?” Ela ri. Maternal, me ajeita os cabelos molhados. “Se já estou diante de um médico, por que procurar outro?”

Não consegue manter o equilíbrio. Tropeça. Conta comigo — seja lá pelo engano que for. Um mal-entendido que me confere um diploma que não tenho. Se estivéssemos em um avião, eu poderia gritar: “Há algum médico a bordo?” Mas ali, em plena rua, ninguém me ouvirá. Só me resta ampará-la até uma padaria.

Toma os comprimidos com água e se recompõe. “Sei que é inusitado, uma consulta em plena rua, mas quanto lhe devo pelo atendimento?” Desisto de explicar. A mulher insiste em me chamar de doutor. Mas já está melhor e é isso o que interessa. Jamais se convencerá de que não sou médico e de que não a salvei. Agora sou eu que preciso me salvar. Em um arranco, deixo-a gritando e escapo em uma esquina.

Dias depois, espero que o sinal feche para atravessar a Barata Ribeiro, em Copacabana. Um desconhecido se perfila a meu lado. “Como posso viver se, com meu salário, mal pago o condomínio?” Viro-me e digo qualquer coisa. Que a economia está descontrolada e o país sem um governo. “A vida está difícil para todos.” Penso que minha cumplicidade lhe bastará, mas não basta. O sinal abre para os pedestres e ele aperta os passos a meu lado: “Pois o senhor veja só...”

“Eu precisava mesmo de um amigo para desabafar”, continua. Sou o escolhido, não escaparei. Embora não chova, o homem se abraça a um guarda-chuva. “Há dias em que só como macarrão”, diz. “O senhor entende? Se pago o condomínio, não como.” Mora em um conjugado. A mulher faleceu, não tem filhos. “Se tivesse, talvez eles o ajudassem”, arrisco-me. Ri e balança as mãos em desânimo: “É bom ter alguém com quem me confessar.” E, em tom profético, completa: “Ou a gente fala, ou explode”.

Traz o rosto em brasa, não por vergonha, mas de euforia. Apega-se ao gozo dos detalhes. “Vejo meu saldo negativo, meus boletos em atraso, minhas dívidas. Como posso viver assim?” Volta a reclamar do condomínio. O prédio tem um número exagerado de porteiros. Para que ter três elevadores? “O senhor entende?” Tento acalmá-lo: “Sim, está tudo errado. Melhor esquecer um pouco, ou enlouquecemos”.

Surpreendo-me com minha vocação para as frases de efeito. Palavras vazias, anêmicas, estúpidas. Não posso negar, porém, que elas o aliviam. Afinal, por que lhe dou ouvidos? Observando-o, recordo de uns versos do Livro de Job que li recentemente: “Ó Terra, que nada detenha os meus clamores”. Em plena Barata Ribeiro, o homem toca as trombetas de seu desespero. Só miudezas, gemidos, lamúrias, e isso é o mais terrível.

Já na esquina da Viveiros de Castro, tento adivinhar a direção que ele tomará, para escapar pela outra. “O senhor não concorda comigo?” — ele insiste. “Não é tudo desolador?” Não sei o que espera de mim. A mulher do metrô, pelo menos, desejava um diagnóstico — que, em uma ousadia insana, eu lhe dei. Mas a esse homem aflito, o que realmente eu posso dar?

Atravessamos a rua quando me ocorre dizer: “Despeço-me aqui, preciso voltar. Esqueci do mercado”. Destroçado, ele me abandona, como se afundasse. Já no mercado, escondo-me na seção de embutidos. Também eu, encravado em meu horror. O que será do homem do guarda-chuva? O que ele queria de mim? Será que, sem saber, eu lhe dei?

Ainda na mesma manhã, vou ao Convento de Santo Antônio, no Centro do Rio, para uma missa de sétimo dia. É mais uma gentileza com a família, pois não era chegado ao falecido. No meio da celebração, o tédio me empurra até o pátio da igreja em busca de um pouco de sol. Há um banco vazio. Há um vento que me alisa. Logo, porém, um rapaz se aproxima com um livro na mão. Penso que é a Bíblia, que ele começará a rezar, mas me engano.

“O senhor já leu o Quixote?” — o rapaz me pergunta. “Não consigo parar de ler. Por que será?” Antes que eu faça algum comentário esnobe, ele se senta a meu lado, sem que eu o convide. Abraçado ao livro, diz a frase trágica: “Sem a literatura, eu afundo”. Deve ter seus 20 anos, é forte, corado, cheio de vida. Mas, por dentro, quem vai saber o que se passa nele? Tento dizer que preciso voltar à missa. Ele me contém: “Agora não, agora o senhor tem que me ouvir”.

Os católicos vão às igrejas para se confessar, continua. Mas ele não, ele não precisa de igrejas para isso. “Posso me confessar com qualquer um. Por exemplo, com o senhor.” Já fui médico, comentarista, agora sou confessor. Em que outros lugares me colocarão? No entanto, não consigo reagir. As ruas fervem de desespero e eu não posso deter essa dor.