Como conservar a serenidade em um mundo cada vez mais intranquilo? Como manter a calma diante de um real que lateja e treme? Aflito com as turbulências que nos cercam, me recordo de um pequeno texto que há muito tempo não releio: Sobre a tranquilidade da alma, do filósofo romano Lúcio Aneu Sêneca. Decido reencontrá-lo.
Talvez pareça um sinal de intranquilidade abandonar o presente para dar um salto de volta ao século I d.C. e me embrenhar pelo pensamento dos estoicos. Buscar na Roma Antiga uma chance de resposta talvez tenha mesmo a aparência de uma fuga. Ou, até, de insensatez. Muitas vezes, porém, recuos bruscos no tempo nos ajudam a observar melhor o real. Estamos imersos na dispersão e na brutalidade. Perdemos a perspectiva do presente. Um salto para trás pode ser uma chance de enfim enxergar.
A ignorância e a estupidez regem nossos dias. Diante delas, mesmo as reações mais justas e corajosas se perdem no vazio. Diz Sêneca que a agitação da alma que não pode encontrar uma saída nos leva à hesitação e, ainda mais grave, ao entorpecimento. É como estamos hoje: adormecidos, gelados, anestesiados. A pandemia mata mil pessoas por dia, mas, sedados pela repetição monótona dos números, já não nos chocamos com nada. Se oito ou dez jatos comerciais caíssem, todos no mesmo dia, seria um escândalo. Mas a morte medonha por um vírus invisível parece, em oposição, aceitável e até normal.
O torpor se agrava e, sem reagir, a ele nos entregamos, em uma experiência perversa de gozo. Para compensar o desapontamento, buscamos distrações. Tratamos de fugir. Descreve Sêneca: “Empreende-se uma viagem depois da outra e substituem-se uns espetáculos por outros”. Nem isso temos: com a pandemia, tanto as viagens como os espetáculos sofrem muitas restrições. Ainda assim, encontramos outras maneiras de escapar. Aqui o filósofo romano cita Lucrécio, poeta do século I a.C. — “Assim, cada um foge de si mesmo”, para depois complementar: “Mas de que adianta se não consegue escapar de si?” Tentamos fugir, mas o real nos alcança e fere. E exige sempre de nós uma resposta.
Em vez de buscar novas compensações, novas evasões, devemos confrontar a realidade. E isso significa, antes de tudo, confrontarmos nós mesmos e nossa imensa preguiça. Sugere Sêneca que, mesmo tristes, mesmo abatidos, nos mantenhamos em movimento, “e não imobilizados pelas amarras do medo”. A preguiça, a apatia, a inércia, não passam de máscaras do pavor. Sim, sentimos medo, mas e daí? Em vez de obstáculo, o medo pode ser um condutor. O enfrentamento do medo se torna um caminho para a ação.
Ainda apáticos, contudo, nos perguntamos: o que nos resta fazer? Diz Sêneca: “Deveremos, primeiro, examinar a nós mesmos, depois, as atividades que iremos empreender e, por último, as pessoas devido às quais ou com as quais os faremos”. Em outras palavras: tudo traz de volta a um exame apurado do que somos. Só assim podemos encontrar um chão firme — ainda que frágil e pantanoso — em que pisar. Só assim temos uma chance de resistir.
Um amigo me escreve reclamando que anda melancólico, que já não suporta a si mesmo. Diante do desastre, tudo nos empurra, de fato, para o tédio e a prostração. A pergunta que martela a mente de meu amigo é: “Como pode tudo isso acontecer e, no entanto, não acontecer nada?” O horror domina o noticiário. O bombardeio de fatos absurdos e intoleráveis não cessa. As mortes se multiplicam. Os governantes enlouquecem. Ainda assim, nada. Tudo se move, mas nada sai do lugar. “Não se deve avançar para um lugar de onde não haja livre regresso”, alerta o filósofo.
Insiste Sêneca: “É necessário considerar se nossa natureza é mais apta para a realização de ações ou para o recolhimento do estudo e da contemplação”. Se podemos agir, devemos agir, ainda que com a sensação desagradável de que nada se move. Caso optemos pelo estudo e pela contemplação, contudo, devemos lembrar que também eles podem ser ativos — podem produzir energia para impulsionar ação. O mais abominável é o movimento inútil. Nele estamos mergulhados — um roldão de notícias desastrosas e chocantes que, no entanto, não produzem reação alguma.
Prossegue Sêneca mais à frente: “Acostumemo-nos a afastar de nós a pompa e a levar em conta a utilidade das coisas”. Muitos movimentos, de fato, só servem para a exibição. Com a internet, isso se agrava. Essa agitação só presta para o espetáculo. De resto, não serve para nada. O difícil hoje é descobrir que ações podem, de fato, interferir no real, e não apenas adorná-lo. É a ausência disso que provoca a melancolia de que meu amigo fala.
Na era da competição enlouquecida, quando os lucros e os rendimentos se sobrepõem a qualquer outro valor, o sucesso é, em grande parte, irrelevante. Vinte séculos atrás, Sêneca nos adverte: “E não invejemos os que estão mais elevados: o que parecia estar nas alturas está defronte a um precipício”. Também de nada serve a obstinação em ausentar-se para nos poupar: nada poderá nos resguardar das instabilidades, ele nos previne.
A única saída em meio ao pandemônio é traçar objetivos próprios. Fazer escolhas e a elas se entregar, para não se tornar mais um daqueles que vagueiam “sem propósito, buscando atividades, e não fazem as que se propuseram, mas aquelas com que se depararam”. Sêneca fala aqui da importância da firmeza, que é o melhor remédio para o melancólico. Pondera: “De fato, quem faz múltiplas coisas a todo momento concede à fortuna poder sobre si”.
Meu amigo reclama de sua exaustão com as lives que proliferaram na internet e das quais ele não consegue se afastar. Há quem passe o dia sintonizado no noticiário em tempo real. Como se algo pudesse acontecer e lhe escapar. O desastre está em perseguir algo, mas sem saber o que. Seguir um caminho com determinação não nos livra dos perigos, ao contrário, os inclui. “Eu me admiraria se algum dia me acometessem perigos que sempre vagaram ao meu redor?”, pergunta Sêneca. “A maioria dos homens não pensa na tempestade ao embarcar em um navio”. Contudo, nada haverá de assombroso se tivermos que atravessá-la. É em plena tempestade que estamos. Temos que partir disso, ou nada acontecerá.