É sintomático que alguns dos principais livros do escritor pernambucano Marcelino Freire estejam agora sendo reeditados: Angu de sangue, em edição comemorativa da Ateliê Editorial pelos seus 15 anos; Contos negreiros (vencedor do Jabuti), 10 anos, e Amor é crime (2011), com novo projeto gráfico, ambos pela Record. Sua literatura, analisada em retrospecto, parece um grande desfile das polêmicas e trapalhadas (expressão desprovida, nesse caso, de qualquer humor) em discussão hoje na política brasileira.
“Espero que, daqui a alguns anos, nada do que acontece nesses livros esteja ainda em pauta. Quero que eles sejam um testemunho de que alguém sofreu preconceito, de que alguém matou alguém, de que alguém fodeu alguém, e que as pessoas leiam esses livros como um testemunho e pensem: ‘como esses homens eram bárbaros’”, comentou Marcelino em entrevista para o Pernambuco, na pousada em que está hospedado aqui em Paraty.
O escritor pernambucano participou, na noite de quinta, de uma mesa na Tenda dos Autores da Flip, ao lado de Jorge Mautner. Marcelino abriu sua fala lendo três notícias de jornal, envolvendo preconceitos e assassinatos (todas não muito distantes da sua literatura), e fez questão de frisar que “escreve para se vingar, escrevo movido pelo vexame”. Na manhã desta sexta, o escritor Marcelo Mirisola postou em seu perfil no Facebook que Marcelino havia usado suas palavras na Flip para conseguir aplausos da plateia. “A frase É MINHA. A ideia é MINHA. Tem a obrigação de me citar, PORRA”, escreveu Mirisola.
“Eu já disse várias vezes que admiro a obra do Mirisola. Mas acho que o trabalho dele começou a perder força quando ele começou a contaminar os livros deles com essas coisinhas de mandar recados para um e para outro. Eu já disse essa frase várias vezes em entrevistas, tenho até vergonha de repetir essa citação, porque já usei tanto... Não acho que dois escritores devam estar brigando por uma frase circunstancial. O Miró (poeta pernambucano) também escreve para se vingar. Se eu tiver de plagiar uma pessoa, será o Miró. E o Miró vou plagiar sempre”, afirmou Marcelino que, ao lado de Miró, é homenageado da Bienal do Livro de Pernambuco, que acontece em outubro.
Veterano da Flip, Marcelino ressaltou que sentiu o impacto da atual crise econômica na edição 2015 da festa (o orçamento do evento este ano foi de 7,4 milhões, o menor da última década): “Você percebe que alguns shows deixaram de ser feitos, que algumas tendas deixaram de ser feitas, que houve redução de logos. Como agitador cultural tenho sentido esse efeito. O evento que faço, a Balada Literária, sempre teve dificuldade de captar recursos. Mas esse ano não tive nem sinalização e tenho que começar a convidar os escritores (a Balada costuma ocorrer no mês de novembro, em São Paulo). Como escritor ainda não senti essa crise. Continuo a ser convidados para eventos pelo Brasil, pelo Sesc, a dar minhas oficinas literárias”.
O escritor ressaltou ainda que anda pensando no conteúdo do seu livro mais recente, o romance Nossos ossos: “Eu leio e fico pensando ‘por que escrevi isso?’ É um livro que começa com a frase ‘O próximo, o próximo, por favor’. Ora ‘o próximo, por favor’ pode ser o próximo da fila do banco, o próximo a morrer. Mas também uma questão de solidariedade, de olhar o próximo”.