Os poemas abaixo integram o livro Eu nunca fui ao Brasil, que será lançado em 2018 pela Relicário Edições e reúne trabalhos de quatro obras de Ernst Jandl (1925-2000): Laut und Luise, Ottos mops hopst, Idyllen e Vom vom zum zum. Aqui estão publicados poemas dos três primeiros livros citados em tradução de Myriam Ávila.
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o homem chora
menino não chora!
só depois de homem
quando olha em volta
e a companheira que ainda
o ama, para encorajá-lo
diz: isto é tua obra!
o homem chora.
calipso
não fui not yet
ao brasil
pro brasil
eu uuld laik to go
onde as uímen
são tão outras
tão mais outras
do que as outras
não fui not yet
ao brasil
pro brasil
eu uuld laik to go
já que entendo
um tan’ de languages
quero entender também
a language do rio
não fui not yet
ao brasil
pro brasil
eu uuld laik to go
se me mandam
pr’além-mar
uai não me mandar
prond’eu uuld laik to estar
pois é me mandam
pr’além do mar
onde eu não fui ainda
é onde eu uuld laik to estar
não fui not yet
ao brasil
pro brasil
eu uuld laik to go
saber, dizer
os músicos com seus sons
sabem o que dizem
o que eles com seus sons dizem
os músicos o sabem bem
também os pintores com suas cores
sabem o que dizem
o que eles com suas cores dizem
os pintores o sabem bem
do mesmo modo os escultores com suas formas
sabem o que dizem
o que eles com suas formas dizem
os escultores o sabem bem
igualmente os dançarinos com seus movimentos
sabem o que dizem
o que eles com seus movimentos dizem
os dançarinos o sabem bem
finalmente os arquitetos com seus prédios
sabem o que dizem
o que eles com seus prédios dizem
os arquitetos o sabem bem
já os poetas com suas palavras
sabem eles o que dizem
o que eles com suas palavras de fato dizem
sabem-nos os poetas jamais
minor poet
em caso de produção malograda
erguer-se, pegar o casaco
sair em direção
às pessoas que se deslocam lá fora,
como se se estivesse também
a caminho do trabalho
ou de casa
não simplesmente vagando só porque
mais uma vez o debruçar-se nada trouxera
o homem chora
menino não chora!
só depois de homem
quando olha em volta
e a companheira que ainda
o ama, para encorajá-lo
diz: isto é tua obra!
o homem chora.
a satisfação em mim
satisfação em mim
se esvai. em quem?
aqueles cuja mão não beijo?
aqueles por cujo cu não subo?
aquelas cuja xota não chupo?
que não fodo?
a cujo cumprimento não respondo?
a cujas cartas não respondo?
cujo convite recuso?
a quem não sirvo de poeta cômico?
com quem não vou a manifestações?
com quem não faço oposição?
a quem não dou nenhum texto?
a quem não dou o meu nome?
que não ergo ao corcel dos poetas?
a quem não sirvo de protagonista?
a quem digo: seus textos são uma merda?
a quem digo: tirem as mãos da literatura?
a quem digo: vocês me enojam?
a quem digo: vão cagar?
a satisfação em mim
pode desaparecer em todos
em mim tem de permanecer
cada vez mais alto
O HOMEM SOBE NA POLTRONA
e fica em pé na poltrona
A POLTRONA SOBE NA MESA
o homem em pé na poltrona
e a poltrona sobre a mesa
A MESA SOBE NA CASA
o homem em pé na poltrona
a poltrona sobre a mesa
e a mesa em cima da casa
A CASA SOBE NO MORRO
o homem em pé na poltrona
a poltrona sobre a mesa
a mesa em cima da casa
e a casa em cima do morro
O MORRO SOBE NA LUA
o homem em pé na poltrona
a poltrona sobre a mesa
a mesa em cima da casa
a casa em cima do morro
e o morro em cima da lua
A LUA SOBE NA NOITE
o homem em pé na poltrona
a poltrona sobre a mesa
a mesa em cima da casa
a casa em cima do morro
o morro em cima da lua
e a lua noite acima