Em A Filosofia da Paisagem, o sociólogo alemão Georg Simmel aponta: a representação da paisagem só pode existir quando “um ser-para-si talvez óptico, talvez estético, talvez impressionista, um esquivar-se singular e característico a essa unidade impartível da natureza, em que cada porção só pode ser um ponto de passagem para forças totais de existência”. A base material e os fragmentos de um território tornam-se paisagem no instante em que alguém efetua demarcação, abarca o sentido e afasta-se do conceito de natureza. Na pista do filósofo do espaço, o escritor francês Patrick Deville arquiteta a sua obra. Em entrevista concedida ao Pernambuco na manhã deste sábado (29), Deville sentencia: “Eu estive em todos os lugares citados nos meus livros, inscrevo na linguagem escrita o resultado de uma pesquisa de campo, horas em bibliotecas, arquivos, descolamentos”.
Publicado no Brasil pela Editora 34 (Peste e cólera, Viva!), o francês divide, neste sábado, a mesa Tróstki e os trópicos com a jornalista argentina Leila Guerriero. O organizador do Exército Vermelho russo e sua passagem pelo México – com chegada pelo porto de Tampico, em 1937: “Tudo começa e tudo termina com o barulho dos marinheiros raspando a ferrugem” – são o mote de Viva!. Outros nomes como Frida Kahlo, André Breton e o escritor Malcolm Lowry aparecem na trama. Ao longo da narrativa, Deville intercala passado e presente em uma prosa composta por frases curtas, por vezes atentas à ação do personagem, por vezes reflexivas em relação à temáticas memorialistas, históricas.
Já em Peste e cólera, Deville segue Alexander Yersin, bacteriologista suíço que descobriu o bacilo da peste. Também um viajante, explorador dos planaltos da Indochina, Yersin foi discípulo de Pasteur e ajudou o cientista francês no processo da epidemia bubônica em Hong Kong. Como em Viva!, os registros textuais estão no limiar entre a investigação e o exercício do reconhecimento que reside na memória. “A literatura tem o sonho de salvar tudo do esquecimento”, declara Deville sobre a relação entre o passado e sua linguagem.
Em um trecho do livro, o francês estima que dez seria o número de vidas que cada um de nós deve relatar para que não se perca a recordação de nenhum ser humano que esteve na Terra desde os primórdios de nossa espécie. Algo muito próximo à epígrafe de Viva!, assinada por Walter Benjamin: “Há um encontro tácito, marcado entre as gerações que nos precederam e a nossa. Fomos esperados nesta Terra”.
O escritor possui um projeto, de certa forma, audacioso e que relembra as investidas exploratórias de Humboldt. Intitulado Sic Gloria Transit Mundi – do latim: “as coisas mundanas são passageiras” –, o plano consiste em publicar 12 livros que contam a história do mundo, desde o século XVIII até o contemporâneo. Em agosto, Deville lança o sexto volume da série, que tem como recorte cronológico-espacial a França. A América do Sul e o Brasil também estão nos planos literários do mapa-múndi empreendido pelo francês.coisas mundanas são passageiras” –, o plano consiste em publicar 12 livros que contam a história do mundo, desde o século XVIII até o contemporâneo. Em agosto, Deville lança o sexto volume da série, que tem como recorte cronológico-espacial a França. A América do Sul e o Brasil também estão nos planos literários do mapa-múndi empreendido pelo francês.