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Para a Feira Internacional de Paraty (Flip) – maior evento literário do país – o momento parece ser de redesenho. A edição 2017 homenageia Lima Barreto e traz uma programação realmente preocupada em agregar vozes até então ausentes ou mesmo pouco presentes em edições anteriores. Além disso, mostra desejo em abrir espaço para outras linguagens poéticas, e seu diálogo com a noção tradicional de literatura. Em suma, o orçamento foi reduzido, mas a qualidade do debate aumentou – apesar de isso não tornar a organização imune a certas críticas, como a ainda massiva presença de autores e autoras brancos.

A curadoria da Flip 2017 é da jornalista Josélia Aguiar, que anunciou a programação em coletiva de imprensa nesta terça (30), no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.

A palavra “redesenho” foi usada por Mauro Munhoz, presidente da Fundação Casa Azul, realizadora da Festa. Como dito, esse esforço começa com o espaço dado ao autor celebrado. Se,  em 2016, Ana Cristina César foi a homenageada fantasma de um evento pouco preocupado em colocá-la sob discussão e com poucas mulheres pensando sua obra; neste ano a Flip se estruturou para realizar um debate real sobre Lima Barreto. Além da abertura com a nova biografia do autor (assinada por Lilia Schwarcz), traz outras três mesas para pensá-lo (veja programação mais abaixo).

Na coletiva, Aguiar pontou que o número de autores/autoras negras/negros aumentou 30% em relação ao ano passado. Pela programação, também houve um cuidado ao não separar essa produção em “guetos”, à semelhança de cotas: artistas negros debatem temas com artistas brancos, inserindo-os de forma mais orgânica na programação. Talvez o desejo de dar organicidade ao evento tenha feito Aguiar afirmar que "a questão racial é importante, mas iremos discutir o artista Lima Barreto". 

A coletiva, no entanto, não fugiu de momentos tensos, A repórter do site Blogueiras Negras, em seu momento de fazer perguntas, destacou: “sou a única negra neste ambiente. Vocês veem 30% de negros na Flip. Eu vejo 70% de brancos”, em alusão à diferença gritante entre a quantidade de autores. Os jornalistas que vão cobrir são, em maioria, brancos, assim como o público.

O orçamento da Flip, segundo anúncio feito na coletiva, caiu de R$ 6,8 milhões em 2016 para R$ 5,7 milhões. A forma como o cálculo foi feito não foi esclarecida. Mas, em tempos grassados pelo discurso da crise econômica, a Flip mostra um esforço real para se mostrar mais integrada à sociedade neste ano. Se o esforço será bem-sucedido (ao atrair público, por exemplo) ou mesmo se continuará nos próximos anos, são outras questões. Segundo Munhoz, a diminuição de recursos não prejudica a programação principal, e sim as ações paralelas da festa.

LINGUAGENS

O Nobel de Literatura a Bob Dylan, no ano passado, jogou luz sobre a necessidade de se discutir a especificidade do literário – se é que ela existe, como defendem tantos – e, também, dos diálogos com outras linguagens. Na Flip 2017, chama a atenção a presença de poetas que também são performers: Ricardo Aleixo, Josely Vianna Baptista, Adelaide Ivánova, André Vallias, Prisca Agustoni, além da dramaturga, atriz e escritora Grace Passô. 

Diferentes repertórios espalhados pela programação do evento, com artistas de diferentes gerações – mas todos contemporâneos. Essa parte da Feira é uma completa e bem-vinda novidade. Tentativas de causar fricções em debate ainda polêmico no campo literário.

O EVENTO E A CIDADE

Todas as festas da Flip 2017 ocorrerão no centro histórico de Paraty, ao contrário de anos anteriores, quando ocorriam em uma tenda. Se, por um lado, a iniciativa pode ser vista como reflexo da queda no orçamento, também pode ser encarada como forma de criar uma relação mais próxima com a cidade. A quantidade de lugares gratuitos com acesso para o telão exibindo a programação principal foi ampliada.

PRESENÇAS, AUSÊNCIAS

Chamam atenção as ausências das casas do Instituto Moreira Salles da Folha de São Paulo, presenças tradicionais no evento. Esse ano terá a Casa Amado Saramago, parceria da Fundação Casa de Jorge Amado com a Fundação José Saramago.

Sempre presente na Feira, a Companhia das Letras teve sua participação bastante reduzida na edição 2017. Esse fator foi notado durante a coletiva pela Folha de São Paulo.

Apesar do número reduzido, entende-se que seu prestígio permanece considerável: a mesa de abertura ocorre com Lilia Schwarcz, que lança biografia sobre Lima Barreto. Schwarcz é autora conhecida da Companhia das Letras. Outros do casting da editora na feira são Frederico Lourenço (tradutor da Bíblia) e Julián Fuks.

 

 

 

PROGRAMA COMPLETO DA FLIP 2017

 

* A listagem das mesas e suas descrições são de autoria da assessoria de imprensa da Flip. Na coletiva, foi dito que o ingresso para cada uma das mesas custatá R$ 55. Os ingressos serão vendidos a partir de 13 de junho no site da Flip.

 

quarta-feira (26/07)


· 19h15 Mesa 1 – Sessão de abertura - Lima Barreto: triste visionário

Vida e obra de Lima Barreto são apresentadas nesta aula ilustrada, comparando o Brasil que viu em sua época e o futuro que previa, com leituras e imagens inéditas de uma nova biografia.

Lázaro Ramos

Lilia Schwarcz

dir.: Felipe Hirsch

 

· Mesa móvel: Fruto estranho

Seis autores realizam intervenções poéticas por meio de formas híbridas –poesia, fotografia, vídeo, performance, teatro – com duração entre 10 a 15 minutos, distribuídas pela programação.

Adelaide Ivánova

André Vallias

Grace Passô

Josely Vianna Baptista

Prisca Agustoni

Ricardo Aleixo

 

 

quinta-feira (27/07)


· 10h território Flip | Flipinha - Mesa Zé Kleber: Aldeia

A convivência e a fruição do território que vêm de sabedorias ancestrais são os principais temas desse diálogo entre três pensadores líderes de suas comunidades – dois indígenas e uma quilombola – que têm cada vez mais ressonância em todo o país.

Álvaro Tukano
Laura Maria dos Santos
Ivanilde Kerexu Pereira

 

· 12h Mesa 2: Arqueologia de um autor

Entre a paixão e a minúcia, recupera-se a obra dispersa de um autor à margem e se define o lugar de Lima Barreto entre os clássicos e no cânone afro-brasileiro, nesta conversa que soma história e crítica literária.

Beatriz Resende

Edimilson de Almeida Pereira

Felipe Botelho Corrêa

 

· 15h Mesa 3: Pontos de fuga

[Fruto Estranho: Josely Vianna Baptista]

Três premiadas vozes da novíssima literatura em língua portuguesa falam de suas influências, técnicas e experiências: como lidam com a tradição e a renovam, seus modelos e perspectivas.

Carol Rodrigues

Djaimilia Pereira de Almeida

Natalia Borges Polesso

 

· 17h15 Mesa 4: Fuks & Fux

A autoficção é um dos eixos deste diálogo, bem como as parcerias e rivalidades na história da literatura. Como pano de fundo, imigração, resistência, vanguarda francesa, matemática.

Julián Fuks

Jacques Fux

 

· 19h15 Mesa 5: Odi et amo

[Fruto Estranho: Grace Passô]

A tradição greco-latina, seus mitos, poesia e narrativas, a Bíblia grega, a literatura e a cultura medieval: nesta conversa entre dois grandes tradutores do latim e do grego, tem-se uma breve história das ideias e dos sentimentos do Ocidente.

Frederico Lourenço

Guilherme Gontijo

 

· 21h30 Mesa 6: Em nome da mãe

Histórias de guerras e de sobrevivência, de invenções e reconstruções artísticas a partir do ponto de vista feminino, no encontro entre uma brasileira filha de uma sobrevivente de Auschwitz e de uma ruandesa tutsi que perdeu a família no genocídio e é influenciada pela literatura do holocausto.

Noemi Jaffe

Scholastique Mukasonga

 

 

sexta-feira (28/07)


· 10h território Flip | Flipinha - A pele que habito

As identidades e as relações de cor nos países da lusofonia são o principal tema desta conversa, que parte da trajetória artística de um ator de sucesso no Brasil e uma jornalista portuguesa autora de premiado livro-documentário sobre o racismo em português.

Joana Gorjão Henriques

Lázaro Ramos

 

· 12h Mesa 7: Moderno antes dos modernistas

A singularidade da linguagem de Lima Barreto é evidenciada a partir de sua aversão ao bacharelesco e da visão da arte como militância, na sua escrita para jornal e nos diários do hospício. No debate, são lembrados autores que foram seus contemporâneos e autores posteriores sob sua influência.

Antonio Arnoni Prado

Luciana Hidalgo

 

· 15h Mesa 8: Subúrbio

[Fruto Estranho: Prisca Agustoni]

Uma visita aos lugares por onde Lima Barreto passou no Rio de Janeiro, com seus personagens de crônicas, contos e romances, seguindo a linha do trem e arrabaldes de ontem e hoje, a etnografia e a poética das ruas, a partir de dois olhares: o de uma especialista em sua obra e em literatura contemporânea e o de um historiador que entende de Ifá, encantados, samba e cultura popular carioca.

Beatriz Resende

Luiz Antonio Simas

 

· 17h15 Mesa 9: Na contracorrente

A resistência feminina e os projetos realizados em campos periféricos da cultura e da ciência: neste encontro-depoimento, tem-se a trajetória de uma dos maiores nomes da arqueologia no mundo, a partir do Piauí, e de uma espanhola presidenta de uma instituição que tem como bandeiras a literatura em língua portuguesa, os direitos humanos e o meio-ambiente.

Niéde Guidon

Pilar del Río

 

· 19h15 Mesa 10: A contrapelo

[Fruto Estranho: Ricardo Aleixo]

Uma escritora experimental chilena referência na crítica feminista e um refinado documentarista brasileiro, que contou a trajetória do poeta Wally Salomão e do pintor Leonilson, conversam sobre linguagens na fronteira e resistência artística.

Carlos Nader

Diamela Eltit

 

· 21h30 Mesa 11: Por que escrevo

Um jornalista que cobriu conflitos na África e que, nas horas vagas, praticava obsessivamente o surf e fez dessa experiência um premiado livro de memórias se encontra com uma escritora nascida na África do Sul do apartheid: uma conversa sobre as diferentes motivações de um escritor e a entrega ao ofício.

Deborah Levy

William Finnegan

 

 

sábado (29/07)


· 10h território Flip | Flipinha - VOCO

Improvisações vocais entremeadas a poemas com interação do público. Sem se dar conta, as pessoas passam por uma série de procedimentos vocais extraídos tanto do contexto da música e da poesia experimentais quanto das práticas ritualísticas africanas e ameríndias. Efeitos eletrônicos, como os de pedais, são usados para a diversão das crianças.

Ricardo Aleixo

 

· 12h Mesa 12: Foras de série

Personagens singulares da história e da literatura brasileiras, como ex-escravos que triunfaram e mulheres revolucionárias no Brasil do século 19, permeiam este debate sobre vozes dissonantes e as técnicas de pesquisa e escrita que reúne uma romancista e um historiador da escravidão – a invenção da liberdade até chegar ao período do pós-abolição de Lima Barreto.

Ana Miranda

João José Reis

 

· 15h Mesa 13: Kanguei no Maiki – Peguei no microfone

[Fruto Estranho: Adelaide Ivánova]

O ativismo e a literatura — ao gosto de Lima Barreto —, a resistência e a liberdade: eis o pano de fundo da conversa entre um rapper que fez um diário da prisão em Angola quando foi preso com livros considerados subversivos e uma escritora que, entre indas e vindas ao exterior, se dedicou à educação popular no sertão durante a ditadura.

Luaty Beirão

Maria Valéria Rezende

 

· 17h15 Mesa 14: Mar de histórias

Borges é o ponto comum entre os dois autores, um da Islândia e outro do Rio, que conversam sobre contos de fada, mitologias, narrativas antigas que viajam e surrealismo.

Alberto Mussa

Sjón

 

· 19h15 Mesa 15: Trótski e os trópicos

[Fruto Estranho: André Vallias]

Os limites da ficção e da não ficção, os protagonistas e os coadjuvantes, o local e o global são os temas desta conversa entre um escritor viajante francês e uma jornalista que, baseada na Argentina, escreve para toda a América Latina.

Leila Guerriero

Patrick Deville

 

· 21h30 Mesa 16: O grande romance americano

Dois autores de uma mesma editora independente venceram, em anos sucessivos, o mais prestigioso prêmio de língua inglesa, o Man Booker Prize (2015 e 2016). Esta conversa revelará em que medida renovam a tradição a partir do seus pontos de vista particulares, a de um americano negro e a de um jamaicano negro que migrou para os EUA, onde ambos lecionam escrita criativa.

Marlon James

Paul Beatty

 

 

domingo (30/07)

 

· 10h território Flip | Flipinha - Ler o mundo

Aprender a olhar e escutar pelos livros infantis: duas escritoras brasileiras e um poeta e escritor negro conversam sobre leitura e olhares que lançam ao mundo e levam a suas obras para esse público.

Ana Miranda

Edimilson de Almeida Pereira

Maria Valéria Rezende

 

· 12h Mesa 17: Amadas

Ao refazer sua trajetória com imagens e leituras, Conceição Evaristo, em conversa com Ana Maria Gonçalves, presta um tributo a outras vozes femininas africanas e da diáspora negra, como Angela Davis, Audre Lorde, Carolina de Jesus, Josefina Herrera, Nina Simone, Noêmia de Sousa, Odete Semedo, Paulina Chiziane e Toni Morrison.

Ana Maria Gonçalves

Conceição Evaristo

 

· 15h Mesa 18: Livro de cabeceira

Na sessão de despedida da Flip, conduzida tradicionalmente por Liz Calder, autores convidados leem trechos de seus livros prediletos.