Para encerrar nossa série de entrevistas com editores, uma conversa com o diretor editorial da Cosac Naify, que explica o funcionamento dos livros-fetiche da editora.

Para começar essa história, façamos um teste: entre em uma livraria e passe os olhos pelos lançamentos colocados em destaque pelo livreiro. É possível que uma parcela dos livros que chamarão atenção tenham sido publicados por uma mesma editora: a Cosac Naify. Se nossas vovós nos ensinam que “quem vê cara não vê coração”, a regra não se aplica a essa editora paulista, que entrou no mercado brasileiro há pouco mais de doze anos. De modo geral, o arrojado design dos produtos da Cosac potencializa o bom conteúdo do que é publicado.

Como foi discutido nas entrevistas anteriores, uma das questões incontornáveis em relação ao mercado editorial consiste na desmaterialização do livro. Seria o modelo do livro-fetiche, proposto pela Cosac Naify, uma das “saídas” para uma possível crise no horizonte do mercado editorial? Quais os impactos, no mercado brasileiro, da entrada de uma editora que ajudou a repensar os parâmetros de qualidade da indústria do livro? Qual o “preço” a ser pago pelo consumidor para manter este padrão de qualidade?

Estes e outros temas são discutidos, por e-mail, pelo nosso entrevistado, o jornalista Cassiano Elek Machado. Diretor editorial da Cosac Naify, Cassiano foi repórter e também editor do caderno Ilustrada, da Folha de São Paulo, bem como da revista Piauí. Coordenou, também, a programação da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) em 2007.

Cassiano, qual balanço você faz desses mais de dez anos da Cosac Naify? Quais as principais contribuições da editora ao mercado editorial brasileiro?
Por estar há apenas dois anos na editora eu me sinto à vontade para avaliá-la como alguém que assiste esta trajetória de fora dela, e de fato eu assisti. Como repórter da Folha de S. Paulo cheguei a escrever sobre o primeiro livro da Cosac Naify, lançado em 1997, e acompanhei de perto todos os seus momentos mais importantes. Posso dizer, assim, com tranquilidade, que a Cosac Naify não apenas mudou drasticamente o conceito do livro de arte no país como ajudou a elevar os padrões do mercado editorial, pela preocupação incessante da editora em buscar qualidade em tudo o que faz.

Gostaria que você compartilhasse com os leitores do Pernambuco um pouco da sua trajetória como editor. Você teve alguma formação institucional – graduação, pós-graduação – nesta área, por exemplo?
Tanto eu quanto os demais dirigentes da editora não temos formação na área editorial. Embora existam cursos profissionalizantes para atuação no mercado editorial a maior parte dos profissionais à frente de editoras tem vindo de outros segmentos. Tanto eu (diretor editorial) quanto o diretor-presidente da Cosac Naify, o Augusto Massi, somos jornalistas. Estudamos os dois, em momentos diferentes, jornalismo, na PUC-SP. Ele também estudou letras na USP, e hoje é professor de literatura brasileira nessa instituição. Eu, além de jornalismo, estudei ciências sociais na USP. Apesar da importância dessas experiências acadêmicas tenho claro que para mim os momentos de aprendizagem mais significativos foram no exercício da profissão: passei quase dez anos na Folha de S. Paulo, no caderno Ilustrada, atuando como estagiário, redator, repórter e até editor, depois fui redator-chefe da revista Trip, editor na revista Piauí e diretor de programação da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty).

Dentre as editoras brasileiras, percebe-se que a Cosac é uma das que melhor aproveitam as potencialidades oferecidas pela internet. De que forma a internet pode ser uma ferramenta eficaz na divulgação de livros e da leitura?
Temos muita clareza na importância que a internet tem como ferramenta de relacionamento da editora com seus leitores. Há muitos anos temos um site que sempre oferece, além de notícias básicas, conteúdos extras, como entrevistas com autores, ensaios escritos a nosso pedido sobre determinados livros e assim por diante. De uns tempos para cá, aprimoramos nossa atuação na internet, criando o primeiro blog realmente ativo em uma editora de médio porte e nos fazendo valer de uma série de instrumentos novos (ou que eram novos na época) da internet, tais como Twitter. Estes mecanismos permitem um contato direto com o público que tem interesse específico naquilo que a editora está fazendo, e não só isso, no universo que nos circunda, já que nosso trabalho não termina na publicação dos livros: acompanhamos aquilo que nossos autores, ilustradores, artistas, fotógrafos fazem para além das obras que lançaram conosco.

Entre os dias 29 e 31 de Março aconteceu o primeiro Congresso internacional do Livro Digital. Como a Cosac tem lidado com esta questão?
Tanto eu quanto a pessoa responsável pelos direitos autorais da editora estivemos no Congresso, que foi de muito bom nível. No dia das falas internacionais fomos surpreendidos, inclusive, com uma deferência especial. O palestrante que encerrava aquele dia de conferências, o especialista em livros digitais Pablo Arrieta Gomes, da Colômbia, citou a Cosac Naify como uma editora que ilustra uma crença dele: a de que apesar dos avanços tecnológicos sempre haverá espaço para os livros realmente bem feitos, “como os da Cosac Naify”. Modestamente, compartilhamos da crença dele. E por isso o livro digital não é nossa prioridade. De outra parte, sabemos que este é um movimento incontrolável da indústria editorial. Muito em breve a versão digital dos livros terá uma fatia do mercado, e por isso estamos nos preparando para ter alguma presença nesse segmento. 

Qual sua análise da atuação do Estado brasileiro no mercado editorial?

O governo brasileiro tem uma atuação de extrema importância em sua política de aquisição de livros. Só acho uma pena que tenhamos tão pouco retorno sobre o aproveitamento dos livros comprados pelo Estado. O feedback é muito restrito. 

A Cosac é conhecida por edições muito bonitas e de design diferenciado, porém com preços em alguns casos altos. Num país em que o preço é um dos impeditivos para a consolidação de uma cultura do livro e da leitura, esta não seria uma escolha contraditória?
Creio que esta é uma ideia falsa. Os livros no Brasil são razoavelmente caros por questões muito evidentes: a cadeia de distribuição é pequena, as distâncias a serem percorridas são enormes, a escala de produção é muito baixa. Do preço final de cada livro metade fica com a livraria, outra porcentagem fica com os autores, gasta-se um tanto com a distribuição e mais uma boa soma com papel, gráfica, revisão de textos, entre outras dezenas de custos indiretos. A margem de lucro em cada livro, para qualquer editora, é muito baixa. Considerações gerais à parte, nós temos a particularidade de investirmos mais em cada livro: prefácios ou posfácios exclusivos, fotos da melhor qualidade, traduções de primeira linha... Com tudo isso, te proponho um desafio. Pegue cinco títulos da Cosac Naify, aleatoriamente, e compare com títulos similares de outras editoras. Não haverá muita diferença, e com produtos um bocado diferentes.

Quais os critérios para que um livro de ficção ou poesia seja publicado pela Cosac?
Não existe uma planilha de critérios. Em geral, buscamos ficção/poesia de qualidade e que, se possível, seja diferenciada da que é publicada por outras editoras. Não adotamos critérios geopolíticos, mas vale observar que dentre os escritores contemporâneos que publicamos há uma prevalência de autores europeus ou latino-americanos, já que o mercado costuma trabalhar mais pesadamente com americanos, ingleses e brasileiros.

Um dos lançamentos que melhor conciliou um bom texto com um excelente trabalho de design foi O livro amarelo do terminal, de Vanessa Bárbara, que ganhou o prêmio Jabuti de melhor reportagem. Como você vê a relação entre jornalismo e literatura? Quais são as obras e nomes de referência, no Brasil, do jornalismo literário?

Gostamos muito deste projeto, por ilustrar muito bem algumas de nossas crenças profissionais. Imagine um livro escrito por uma garota totalmente desconhecida, como trabalho de conclusão de curso de faculdade, sobre um tema que poderia ser bem pouco amigável: uma rodoviária. Pois este livro ganhou o Jabuti e o Prêmio APCA de livro jornalístico do ano e dois prêmios de primeiríssima importância fora do país, o dado pela AIGA (EUA), como um dos 50 livros mais bonitos do mundo, e o do Clube de Criadores de Nova York. Isso só foi possível porque na editora trabalhamos cada projeto em conjunto entre a equipe de texto e a de design. E conseguimos achar, graficamente, aquilo que o texto de Vanessa Barbara pedia. Eu, em particular, gosto muito desta conjunção de literatura e jornalismo, mas não é fácil encontrar obras com esse perfil que sejam realmente bem feitas (e conseguir quem as produza sob encomenda é uma empreitada cara, porque bom jornalismo demanda tempo). Quanto às obras e nomes de referência não teria muito a acrescentar além dos mais óbvios.

Outros lançamentos de destaque do catálogo da Cosac são livros como O romance, organizado por Franco Moretti, História do design gráfico, de Philip Meggs e Histórias da moda, de Didier Gumbrach. São livros de referência em suas respectivas áreas, porém certamente configuram uma empreitada comercial arriscada. Você poderia falar um pouco como foi o processo de editoração destes livros? Há outros lançamentos com este mesmo perfil previstos para 2010?
O diretor-presidente da Cosac Naify, Augusto Massi, é professor universitário, da USP, e sempre acreditou que é uma das tarefas essenciais da editora colocar no mercado obras de referência nas áreas com as quais trabalhamos. Essas empreitadas que você citou nos enchem de orgulho, por serem obras que realmente dão contribuições centrais para a formação dos estudantes/profissionais em cada uma dessas áreas. Não são os únicos livros do gênero em nosso catálogo. Temos muitos livros essenciais de história da arte, como História da arte italiana, de Argan, temos uma porção de livros centrais para estudantes de arquitetura, livros incontornáveis em antropologia, e assim por diante. São, em todos os casos, livros que demandam um processo de edição muito trabalhoso e custoso, que algumas vezes não rende dividendos a curto prazo. Em todos os casos, porém, são livros que contribuem para melhorar o nosso leitorado e para consolidar o compromisso que temos com a qualidade editorial. Ainda neste ano deveremos ter obras importantes, nessa linha, em alguns segmentos, como em história, em moda e fotografia.  

Outra recente publicação da Cosac que chamou atenção foi Clarice, de Benjamin Moser. Outras editoras também têm publicado biografias com bastante sucesso em nosso país. A que se deve tanta demanda de público? A nossa não ficção estaria contando histórias de modo mais eficaz que a nossa ficção?
Não creio que o sucesso das biografias seja um fenômeno brasileiro e nem que seja uma novidade. Desde vidas paralelas, de Plutarco, na Antiguidade Romana, as pessoas se interessam por ler a respeito da vida dos outros. Quando a personagem é de primeira linha, como Clarice Lispector, e o biógrafo também, caso de Benjamin Moser, o trabalho tende a ganhar interesse público. 

Este ano teremos eventos importantes como a Flip e a Bienal do Livro de São Paulo. Muito se discute se estes eventos efetivamente ajudam a divulgar o livro e seus autores?
Não tenho dúvidas da importância desses eventos para a divulgação dos livros e autores, embora não acredite que existam mágicas nesse processo.  De qualquer forma me parece bastante saudável que, com festivais como a Flip, a literatura ganhe um destaque inédito.

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