EM LUGAR DE PREFÁCIO, FALATÓRIO
pude perceber bem cedo algumas forças opressivas da linguagem, como quando meu padrasto lia histórias da bíblia e as mulheres dos homens não tinham nem nome — como a tão cantada em matéria de poesia mulher de Ló. depois eu e minha família nos mudamos da zona rural para a cidade, tinha uns onze anos, e os homens na rua gritavam “gostosa! vou te [...]”, ou numa briga com meu irmão para me xingar ele gritava “sapatão”, como se fosse uma marca de terrível degredo e eu ficava com aquela cara de “oi?”.
então, mais tarde, ao ler Friedrich Engels dizer em a origem da família, da propriedade privada e do estado que, antes mesmo da sociedade classista, a primeira forma de opressão que surgiu na face da terra foi a do homem sobre a mulher, foi como rever no espelho a minha casa, a bíblia com a qual fui alfabetizada. e me perguntava: se Marx e Engels tivessem escrito “Proletárias e Proletários do mundo, uni-vos!”, esse chamamento não teria sido mais profundo? (ainda que ali no “proletários” as mulheres estejam incluídas).
e quando estava fazendo uma pesquisa para um livro não foi com tanto horror que descobri que dicionários de português do Brasil ensinam, por exemplo, que a costureira é a “mulher que costura amadorística ou profissionalmente, especialmente roupas sociais”, enquanto que o costureiro é “aquele que atua profissionalmente na costura” ou “que dirige confecção de alta costura, criando roupas e acessórios exclusivos e originais, expostos por modelos em desfiles, geralmente glamourosos, cobertos pela imprensa mundial”, e que essa mesma dissimetria envolve a dupla lexical cozinheira-cozinheiro; não foi com tanto horror porque o dicionário, como o livro de Engels, é mais um espelho: sociedades patriarcais têm línguas patriarcais.
e ainda mais tarde, depois da faculdade de História onde não estudei História da África, História da Ásia, História pré-colombiana e onde não pude pesquisar meu trabalho de conclusão de curso pessoas vivendo em situação de rua na cidade de Franca em 2004, porque não é objeto da história, mas do jornalismo, fui buscar por conta própria y com aliadas uma outra história, de ontem y hoje, y também uma outra linguagem.
***
por volta de 2015 iniciei a escrita de meu livro de poemas quando vieres ver um banzo cor de fogo. meu desejo era fazer um livro com poemas eróticos y de amor e, em questões de linguagem, como disse numa entrevista recente, “fazer um experimento mais radical, misturando palavras indígenas (y em dialetos africanos), palavras que não existem, buscando assim tocar de algum modo, se isso é possível, as origens da própria poesia em seu estado selvagem, que é como o amor”. assim, já a partir do próprio título dobrar a linguagem: trazer com a potência do amor, do erotismo y da animalidade, positividade ao sentimento “banzo”.
no mesmo período estava mergulhando fundo na linguagem e na poesia de Alejandra Pizarnik, que, embora já pesquisasse e traduzisse há uns dez anos, agora o fazia para a dissertação de mestrado, onde apresentei a tradução de sua obra poética completa.
obviamente essas duas pesquisas y escritas se imbricaram de muitas maneiras. uma das chaves da obra de Alejandra Pizarnik é justamente a linguagem, o poder da linguagem e seu fracasso; traduzir sua obra (e qualquer obra, na verdade) é um exercício de transposição criativa de uma língua para outra sem poder deixar de lado a condição de quem escreve, no caso, duas mulheres que escrevem e traduzem desde sua origem: com familiares falando outros idiomas em casa (no caso dela o ídiche, no meu uma mistura de pretuguês c’um italiano macarrônico do tipo Juó Bananère), que fugiam do holocausto ou da servidão; duas mulheres com problemas para falar na infância e que então explodem a fala na poesia.
e foi também em 2015 que conheci o movimento de saraus no Ceará e onde a poesia é sal, a poesia salva! muito embora sempre tenha sentido a poesia como pulsão de vida que nada tem a ver academicismos, encontrar pessoas que vivem a poesia nas ruas y em suas vidas cotidianas e, portanto, acreditam na sua força e a dizem em alto e bom som e transformam suas vidas, transformou a minha e das quebradas todas.
e foi aí que escrevi pela primeira vez A poema, possivelmente em 2015, em amaluna, amar a poema, que incluí em quando vieres ver um banzo cor de fogo, a escrevi também na parte teórica e em algumas traduções da minha dissertação — mas é claro, a poema sempre esteve em minha poesia, nesse estar sem estar sendo desde meu primeiro livro, tambores pra n’zinga, e ainda antes, desse modo selvagem y misterioso que ela tem de entrar.
e nunca mais parei de dizer y escrever A poema, que também vem sendo dita y escrita por tantas minas, monas y manos aqui nas quebradas.
e nesse dizer-escrever, muita gente intui (por isso também diz, por isso ri, por isso acha uma besteira). outras tantas têm me perguntado: mas o que é afinal A poema?
***
1.
pela cruz pela espada pela doença
e pela linguagem se deu a dominação
a língua castra
a língua de um pai de um estuprador de uma igreja de uma polícia de um estado de um
genocida
de um passado que é presente e é fascista racista misógino homofóbico vidafóbico e é
colonial
não se encaixar em partículas totalizadoras
masculinais do poder branco
soltar os punhos
a língua a linguagem
chamar a ela: ela
e a quem quiser: querer
A poema é um dialeto originário é um pretuguês é uma gíria
***
poema não é apenas substantivo feminino —
as mulheres estão no centro mas o centro não é único:
o centro
de uma poema
é outra poema
o centro de uma poema
é a ausência
no centro da ausência
minha sombra é o centro
do centro da poema
(Alejandra Pizarnik; tradução: nina rizzi)
no centro estão os povos originários (indígenas, negras), sem-terra, sem-teto, não bináries, crianças, animais. no centro, não nas periferias ou à margem —
Ao longo de grande parte da história, a própria categoria “ser humano” não abarcou as pessoas negras e de minorias étnicas. Seu caráter abstrato era formado pela cor branca e pelo gênero masculino.
(Angela Davis; tradução: Heci Regina Candiani).
A poema é uma devir negra, indígena, selvagem, criança, bicha, sapatão, sem gênero, monstra.
uma devir sem poder mascu-masculinal — mascu, masculinal e não masculino. porque todas as estruturas de poder com seus aparatos que operam para oprimir são mascu-masculinais: a polícia, a igreja, o Estado.
as opressões para se naturalizarem, se clarificarem, passam pela linguagem:
viado!;
sapatão!;
invertida!;
hermafrodita!;
macaco!;
preta fidida!;
mulatinha gostosa!;
neguim ladrão!;
pé-rapado!;
sem-teto!;
gorda!;
magrela!;
selvagem!;
café-com-leite!;
criancinha!
recuperar e ressignificar linguagens, mas também criar linguagens. retomar os nomes que tomaram de nós quando nos obrigaram a dar nove voltas em torno de nossas árvores sagradas, contar nossa própria história.
pixaim sim. sapatona sim. y Agontimé, não jesuína, elas y não eles. Oyá y não bárbara y muito menos santa.
até mesmo idiomas que podem usar pronomes neutros, como o inglês, que tem o they (elas/eles), por exemplo, para incluir os gêneros feminino y masculino, já inventaram seu folx, incluindo verdadeiramente todas as pessoas com y sem gênero pré-estabelecido; afinal, quem inventou o they para nos nomear, senão colonizadores?
esta é a linguagem do opressor
e mesmo assim preciso dela para falar contigo
(Adrienne Rich; tradução: nina rizzi)
corto também essa linguagem, a usurpo: escrevo.
***
2.
uma máscara branca
chamada cânone
apaga rasura silencia
— ainda vivas!
porém não não não
queima queima queima
o trauma colonial
A poema é uma ferida
***
a cada leitura de monteiro lobato, uma escritora preta deixa de ser lida. a cada leitura de iracema, uma escritora indígena deixa de ser lida. e por aí vai...
não incito a queimada de nenhum livro, embora prefira a queima de papel em vez de crianças [...] Eu sei que dói queimar. Tem labaredas de napalm (Adrienne Rich; tradução: Marcelo Lotufo) y lascas de crack em cada esquina. e se o cânone precisa ser lido, que seja com olhos críticos y ao lado de obras de autoras que contem sua história por si mesmas — escritas desde o sempre não para ser mercadoria, mas porque era urgente ser um corpo além do próprio corpo, ser a poema.
— quem foram y quem são, o que é uma poeta? as que escrevem, que jamais tiveram nada pra vender, mas têm seu corpo escrito — no sempre.
desde o sempre estivemos escrevendo y a vida inteira escrevemos. desde os lugares os mais inóspitos y esquecidos, Atlântida, Palmyra, Abissínia; Djibuti, Comores, Belize, Panamá, sei lá, os lugares que não leremos nem veremos nos jornais.
estavam escrevendo os povos originários iletrados, estavam escrevendo os povos pré-históricos, estavam escrevendo as pessoas enquanto eram laçadas, caladas, estupradas, jogadas em navios, em porões, em armários, enquanto eram escravizadas, queimadas, afogadas, assassinadas. escrevendo com as mãos cheias de sangue nas rochas, na terra, nas folhas, nos atabaques, no próprio corpo. escrevendo com a voz que alcança este tempo numa ancestralidade quando leio a margem (centro), as que mancam, as que não têm língua, mas têm essa voz que religa y cria novas raízes y — quem poderá desdizer: o cânone do futuro. todas as vozes.
***
3.
Dandara dos Palmares guerreira negra
se jogou de uma pedreira aos abismos
para não voltar à condição de cativa
não-só
o sem número de anônimas y desnomeadas
autoenforcadas envenenanadas afogadas queimadas
— o suicídio como último mecanismo de resistência
para o além a ginga a capoeira a poesia
aquilombamento
dobrar qualquer mecânica
remontar à história
y traduzir a potência de morte
como potência de vida
A poema é uma voz ancestral
***
uma voz me chega de muito longe, essa voz não me chega só aos ouvidos: lambe meu corpo, me põe em movimento me faz tremer porque a reconheço de conhecimentos tão íntimos, antigos y novos. essa voz me busca. a escrevo. ela me escreve. se há coisas que não entendo, meu corpo y coração sabem y sentem bem, suas palavras silenciosas vão se traduzindo no meu sangue, na minha poema. ela não se deixa dizer como uma língua aparente.
kandandu pa’ela
muintas flôle pa lambê cum’miana pele di muler
inda dispois du buxo xeio dos fio quim fazê
lambê os fi tamém
óia, i inté memo ia a apanhá batuque nos lombos di capitaum:
tudo pesse sinhô banco — discupa, mi obatalá i mi xangô!
mim dexá ti chamá ansim “mozamô”
mai inveio naum! num quisi apendele ele
mim linguá kulunguana dizi qui infeio mi petuguêis
esclaviza mia linga
cota mia linga
mai mim cala naum
a voz de mia dedos canta
canta i lambi in tua pele mozamô
a língua em que escrevo não é estrangeira, não é minha propriedade nem eu a sua, não me domina nem eu a ela. amo a língua como a mãe, a irmã, a filha, a mim. não a violento ao buscar traduzi-la. me volto a ela mesma: língua do corpo, língua da gente.
se a língua da minha ancestral foi cortada, ou se ela cortou sua língua num ato de rebeldia, me volto à sua origem, o antes do corte, o antes da violência:
SUICIDE’S NOTE
The calm
Cool face of the river
Asked me for a kiss
(Langston Hughes)
NOTA DE SUICÍDIO
A calma,
A face fria do rio
Me pediu um beijo
saber que Hughes é um rebelde, não rasurar a sua própria escrita, porém voltar-me a esse antes do corte:
PEQUENA-MORTE
A calma (esse furor),
A face quente (toda água que cabe aqui)
Não canso de te pedir um beijo.
(Langston Hughes; tradução do antes do corte, por nina rizzi)
uma tradução de ela-mesma como uma-outra: viva. converso com Dandara, com Langston, co’a poema numa relação de transformação. escrever a poema não para ser outra, ela não quer ser outra, mas para voltar a ser o que foi cortado.
a carne do meu povo ressuscita, sua carne vive pel’A poema e sua tradução; a carne da poema não está terminada ou fechada jamais: está aqui viva para ser buscada, lida, amada, re-inventada. y redigo: ao nos nomear, re-existimos.
***
4.
escrever
o que eu quiser
como eu quiser
como vem a mim
a minha linguagem
como chega a mim
a escritura a escrevivência a invenção a poema
ninguém vai dizer que o que faço
é ruim é menor não é literatura
A poema é uma afirmativa
***
se por um lado sempre escrevemos, mesmo escondidas, mesmo sob pseudônimos, mesmo que não fosse com símbolos escritos, mesmo que não fôssemos publicadas, por outro lado esses séculos de silenciamento provocaram em muitas de nós a internalização do discurso branco-falocêntrico de que o que escrevemos ou não presta, ou é algo menor, nos levando assumir vozes ou estilos que não são os nossos, ou a engavetar o que escrevemos, ou pior: a nunca mais escrevermos, como se para escrever a sujeita tivesse que receber um documento: “habilitada/ classificada".
é o que sempre nos fizeram. nossa história é a história do “então, sirvo?”, a literatura é mais um “então, sirvo?”
Por que eu escrevo?
Porque eu tenho de
Porque minha voz,
Em todos seus dialetos,
Tem sido calada por muito tempo
(Jacob Sam-La Rose, via Grada Kilomba)
é muito importante que retomemos nossas vozes e nosso poder (que não é o poder masculinal), que através de nossas poemas honremos as que vieram antes de nós y deixemos as portas abertas para as que vierem depois. que não tenhamos vergonha de ser quem somos y nem do que produzimos.
você pode considerar que tanta gente já escreveu e escreve sobre todas as coisas que você gostaria. que escrevem melhor que você. isso não existe. ninguém jamais em tempo algum poderá dizer o que só você tem a dizer. ninguém jamais em tempo algum poderá escrever a tua poema. porque só você pode. somos únicas y nossas vozes y poemas só podem ser únicas.
Conta a tua história! Para nos ajudar a ficarmos mais fortes. Conta sobre o mundo que é só teu. Desenvolve uma história. A narrativa é radical, cria a nós próprias no momento exato em que está sendo criada. Ninguém vai te culpar se o amor incendeia as tuas palavras, se elas descem em labaredas e nada deixam a não ser a queimadura. Ou se, como a reticência das mãos de um médico, as tuas palavras apenas suturam os lugares por onde o sangue pode ter fluído. Mas tenta. Por nós, e por você mesma, esquece o teu nome na rua; conta aquilo que o mundo tem sido para você, tantos nos bons como nos maus momentos. A linguagem é a meditação.
(Toni Morrison, trecho do discurso do Nobel; tradução: nina rizzi)
acredito piamente que todas nós escrevemos. que pra escrever basta escrever y nem precisa ser alfabetizada em códigos linguísticos. bradar versos num busão é uma poema.
é verdade que nem todas querem escrever, mas a poema não se trata apenas de escrita, se trata de arte, y todo mundo faz arte, seja pintando ou cuidando de jardins como a mãe de Alice Walker. todas nós temos a chama da poema desde que a primeira acendeu uma fogueira y contou uma história, quando cantamos para ninar nossos bebês, quando botamos aquele feitiço enquanto cozinhamos ou bordamos ou pintamos uma parede, amor: poema.
escrever: como se ainda tivesse ânsia de gozar, de me sentir plena, de puxar, de sentir a força de meus músculos, de minha harmonia, estar grávida e no mesmo momento me procurar nas alegrias do alumbramento, as da mãe e as da criança. A mim também me dar nascimento e leite, me dar o peito. A vida chama a vida. O gozo quer se relançar. Outra vez!
(Hélène Cixous; tradução: nina rizzi)
em laboratórios de escrita criativa com mulheres costumo usar esse decálogo para nos inspirar em alguns momentos:
1) escrever: só você pode dizer o que você tem a dizer;
2) abolir o backspace, a rasura-crítica que condena, silencia e enterra;
3) guardar as palavras como se guardam as melhores lembranças;
4) fazer diários alheios: como é escrever com um corpo, um desejo, uma realidade que não é a tua?;
5) não tratar as palavras como bibelôs bem arranjados na estante: parir as palavras, cuidar das palavras, amá-las, deixá-las morrer até que ressuscitem;
6) escrever uma poema de amor sem usar a palavra amor; uma poema sobre o horror sem usar a palavra horror; de alegria sem a palavra alegria; etc, etc;
7) deixar as poemas descansarem;
8) descansar os olhos;
9) não existem poemas ruins, existem poemas que não deram seu melhor; se esta poema está arisca ao ponto de te machucar, abandone-a sem dó; tem
milhares de poemas esperando pra te amar de verdade;
10) amar as poemas como a si mesma; você é maravilhosa, poderosa, se ainda não descobriu, vai descobrir. acredite!
escreva. escreva por raiva, por vingança, por amor, por alegria, por tudo! A poema nos põe em contato com o mais profundo y misterioso de nós mesmas. no processo de descoberta y escritura da nossa poema, refletimos, produzimos teoria y descobrimos também quem somos. é empoderador, libertador y amoroso conosco y com nossa história.
se seu ritmo de vida não te permite reservar algum tempo para escrever, escreva no ônibus, escreva no banheiro, escreva entre uma y outra mamada; a poema em sua forma poética breve é uma excelente aliada praquelas de nós que não têm tempo.
Carolina Maria de Jesus escreveu diversos livros nas condições mais adversas. Lima Barreto escreveu diversos livros nas condições mais adversas. Cora Coralina e Conceição Evaristo não deixaram de escrever porque suas vozes não estavam “habilitadas”. não importa onde, quanto y como: escreva.
nunca mais laçadas!
nunca mais porões!
nunca mais senzalas!
nunca mais armários!
nunca mais gavetas!
nunca mais silenciadas!
nunca mais caladas!
erga sua voz!
escreva!
publique!
podemos escrever tudo, o que desejamos mais profundamente. A poema é uma feitiçaria, uma arma, uma bomba!
***
5.
se abrir às poemas como se abrem as amantes
para amar
se abrir às poemas como se abrem as crianças
para a brincadeira
se abrir às poemas como se abrem os bichos
para o instinto
A poema é uma selvagem
***
existe uma outra língua, eu a digo y ela me diz, escrevo y ela me escreve: a língua na qual entro y da qual sou feita poeta e não existe, para mim, nenhuma diferença entre escrever uma boa poema e caminhar pele y pele ao sol, abraçada c’uma mulher que amo (Audre Lorde; tradução: nina rizzi).
esta minha língua não tem gramáticas, portanto não me censura. é a minha voz. a respeito, a amo y ela me ama. brincamos de roda y jogos de palavras (particularmente não gostamos dos jogos de armar, aqueles com palavras em um texto onde você se sente uma tonta indigna de entender se não possui phd em linguística aplicada, como se para acessar tais textos fosse preciso uma inspiração do além, quando na verdade se trata de privilégio). brincamos co’as nossas águas y do que ainda não inventamos.
me espreita, me persegue, é feroz. eu também. somos bichos eu y ela y grunhimos y gememos y nos mordemos y rasgamos y devoramos. nos amamos mais o sangue quente assim do riso y gozo.
deito-me com ela. brota de mim como gozo y lambo y me lambuzo y me alimenta. somos uma só. A poema se me escreve, em meus cabelos, em meu cérebro, em meus peitos, em minha carne, em minhas vísceras. eu sou A poema.
algumas referências
Adrienne Rich, Que tempos são estes e outros poemas
Alice Walker, Em busca dos jardins de nossas mães
Angela Davis, A liberdade é uma constante
Audre Lorde, Irmã outsider: ensaios e conferências
Frantz Fanon, Pele negra, máscaras brancas
Friedrich Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado
Glória Anzaldúa, Falando em línguas: Uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo
Grada Kilomba, Memórias da plantação
Hélène Cixous, La venue à l'écriture
Houauiss & Villar, Dicionário da Língua Portuguesa
Lélia González, Por um feminismo afro-latino-americano
Márcia Kambeba, Aya Kakiri Tama (Eu moro na cidade)
nina rizzi, quando vieres ver um banzo cor de fogo
Toni Morrison, Amada