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explicar com palabras de este mundo
que partió de mí un barco llevándome

 

Foi esse o poema recitado pelo meu professor, à turma da Faculdade de Letras na Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, ali por meados de abril de 2011.

Na ocasião, eu fazia intercâmbio, estudando literatura latino-americana, por causa de uma política de convênio entre as universidades do continente, coisa que era muito mais comum naquele momento político brasileiro. As aulas dessa disciplina (chamada Entre filosofía y literatura) tinham uma ambiência informal, o professor nos levava um bocado de erva de mate, uma garrafa com água quente e uma cuia, que passávamos fumegante de boca em boca – ali, ainda tão longe do medo de saliva se estava – durante as aulas.

Em uma daquelas manhãs, enquanto eu me distraía (a aula era sobre a relação entre a literatura de Jorge Luis Borges e a filosofia de Friedrich Nietzsche), olhando o movimento provocado pelo vento na copa da árvore, através da imensa janela que dava para o pátio amplo da universidade, a paisagem foi substituída quase violentamente por outra: um barco que sai de mim, que eu tento dizê-lo, mas que não é nada disso. Para cimentar algum raciocínio, aquele professor Sánchez havia citado o poema da argentina Alejandra Pizarnik (1936 – 1972), com quem tive contato pela primeira vez.

A partir de então, essas palavras, assim arranjadas, guiariam de maneira misteriosa tudo o que eu viesse a pensar, sentir e desentender sobre a poesia, até hoje. Pelo que o professor disse, um vento carregou um barco para longe: um barco que era linguagem, saindo de um cais que também era linguagem. Mas esse vento era o mesmo vento que eu via pela janela passando entre as árvores? Qual é o papel das palavras no gesto de partir? Existe outro mundo onde haja palavras, que não este mundo?

Intrigada por esses versos, comprei alguns dos livros de poesia da argentina de Avellaneda. Tomei conhecimento de sua fama quase mitológica: a talentosíssima poeta, internada, inúmeras vezes, em manicômios; a mulher inteligente e suicida. Como estudantes, por sorte, entrado o século XXI, já nos havíamos afastado um pouco da idealização da figura romântica do poeta marginal e nos desapegado do único caminho para a mulher inteligente, o suicídio, o que me poupou, em certa medida, das chaves críticas sensacionalistas. Alejandra Pizarnik nasceu como Flora, em 29 de abril de 1936, em Buenos Aires, Argentina, mas pediu aos pais, na adolescência, que a chamassem por este novo nome: Alejandra. Descendente de judeus russos, estudou em Paris, onde se apaixonou pela obra de Marguerite Duras, ao ponto de traduzir La vie tranquille (La vida tranquila) para o espanhol. Ali também fez amizades ilustres, como Julio Cortázar e Octavio Paz.

Cinco de seus livros são, hoje, considerados o pilar de sua obra poética: Árvore de Diana (1962), Os trabalhos e as noites (1965) – ambos publicados no Brasil em 2018, com tradução de Davis Diniz, pela Relicário Edições; Extração da pedra da loucura (1968), O inferno musical (1971) – recém-publicados pela mesma editora e traduzidos também por Diniz –, todos em edições bilíngues, e Textos de sombra y últimos poemas (1982), este último, publicado postumamente e ainda inédito no Brasil. Escreveu também, em prosa, artigos de crítica literária, ensaios, relatos e uma peça de teatro, cujo conjunto também ganhará volume próprio, traduzido por Paloma Vidal e por Nina Rizzi, e publicado pela Relicário no segundo semestre de 2022. Assim, a editora traz ao Brasil parte substancial da obra de uma das poetas mais importantes da Argentina.

No geral, em Árvore de Diana e Os trabalhos e as noites, Pizarnik apresenta uma escrita de versos curtos, muito concisos, em que observamos a angústia pela busca da palavra exata, quase transparente. A mancha do texto nas páginas é pequena, deixa enormes espaços em branco, o que alude ao flerte com o silêncio, de uma economia obsessiva, alucinante também para quem lê. Já em Extração da pedra da loucura e O inferno musical, o que aparece é mais uma espécie de sucessão de suspiros longos, movimentos curvilíneos, a sintaxe cheia de subordinações. De qualquer maneira, porém, a busca não se conclui, mas a poeta assume francamente sua limitação formal nesse par de livros.

Um instante, um espaço, talvez uma garatuja de conjuro da linguagem diante do silêncio tentador. Quero dizer que, diferente do movimento de sua obra poética anteriormente publicada por aqui, obsessivo pelo vínculo absoluto entre significante e significado, nos livros que agora chegam aos leitores brasileiros, outro movimento se desenha para a mesma busca: mais aberto e fluido, com o uso de imagens fragmentárias e cadência tanto mais contínua, que vai se encaminhando para uma nova poética. A mancha de texto se amplia, espalha-se pela página. Sobre isso, o tradutor da obra, Davis Diniz, considera esses volumes uma dilatação da versificação “a caminho de uma fraseologia excessiva até então nada usual dentro de seus registros poéticos”, como diz no prólogo.

Colocada em perspectiva, tal novidade em sua poética desemboca, posteriormente, na prosa de La bucanera de Pernambuco o Hilda la polígrafa, que se aproxima mais do neobarroco de Perlongher, escritor que ampliou a literatura e o imaginário intelectual argentinos, principalmente pela via do “tropical”, tendo vindo morar no Brasil e se dedicado a leituras do Caribe. Nessa última fase, então, ela se afasta dos modelos europeus, e passa a usar, por exemplo, um espanhol muito mais argentino, atravessado pelo lunfardo, dialeto de gírias da periferia de Buenos Aires.

Os poemas de Alejandra Pizarnik, em geral, não operavam com referentes externos, salvo raríssimas exceções. No que diz respeito às temáticas, ela não fala da cidade, das ruas, das multidões, não fala de seus objetos cotidianos, apenas abstrai e decanta de maneira incansável. Que comecem a aparecer referências a elementos cotidianos neste livro é indício do momento-dobradiça da autora. Há momentos narrativos, âncoras geográficas e temporais, embora ainda prefira um léxico da ordem do etéreo, por assim dizer. No entanto, arriscaria dizer que há um questionamento sub-reptício sobre a questão da interioridade e da exterioridade: “Ainda que diga sol e lua e estrela me refiro a coisas que me acontecem. E o que eu desejava? Desejava um silêncio perfeito. Por isso falo”, diz Pizarnik em Caminhos do espelho. De fato, o campo semântico empregado acaba sendo limitado e grandiloquente, como observa César Aira, no ensaio Alejandra Pizarnik, ao constatar a influência de Antonio Porchia em sua escrita, além de sombrio, repicado de influências do romantismo alemão, do simbolismo e do surrealismo francês. São noites, sombras, bosques, com cheiro de mitos originários que remetem ao ambiente infantil, além de composições apinhadas de espelhismo infinito.

Porém, as leituras que afirmam que esteja fechada em si, voltada unicamente ao interior, adorando a própria morte e a própria loucura, não seria uma leitura redutora e, mesmo, romântica, crente da cisão do indivíduo apenas com relação ao mundo e não consigo mesmo? Não seria cair em uma armadilha lê-la com pressupostos românticos, ludibriados pelo vocabulário? E não seria justamente o contrário da cisão entre interior e exterior que ela mesma afirma quando diz que sol, lua e estrelas são coisas que lhe acontecem?

Para corroborar com esse questionamento, podemos pensar em uma nota que a poeta registra em seu exemplar de um livro de ensaios de Octavio Paz, recuperada por Daniel Link em Lecturas de Pizarnik: “La verdadera vida no se opone ni a la vida cotidiana ni a la heroica, es la percepción del relampagueo de la otredad en cualquier de nuestros actos, sin excluir a lo más nímios.”[nota 1] A ideia de lampejo de alteridade nos atos humanos de toda grandeza ecoa a enunciação quase profética de Rimbaud, com cuja obra Pizarnik declara ter grande afinidade, no fim do séc. XIX: Je est un autre. Este enunciado fala de um sujeito completamente cindido, que se entende também afetado pela alteridade e, nesse sentido, narrado pela linguagem.

Se há tantas perguntas colocadas, e tantos caminhos para analisar a escritora, é porque é difícil tecer juízos sobre Pizarnik. O que se pode afirmar sobre a busca de uma poeta que não caia no imenso problema da insuficiência da linguagem enfrentado por todos os poetas? O que ela tem de particular? A única resposta razoável talvez tenha a ver com a radicalidade com que toma esse problema, a coragem com que o enfrenta, a recusa em ceder, construindo uma poesia que não passa indiferente, apesar da forma críptica com que se desenvolve.

 

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LOUCA DE PEDRA

Extração da pedra da loucura é dividido em quatro partes, sob critério dos anos em que os poemas foram escritos, respectivamente: 1962, 1963, 1964 e 1966. Os poemas têm títulos, e não são somente numerados como em Árvore de Diana, livro que contém o poema que inaugura este texto. O título Extração da pedra da loucura, que também é nome de um dos poemas da quarta parte do livro, traz uma imagem poderosa, já que, na Idade Média, acreditava-se que uma pedra localizada no cérebro seria responsável pela loucura de indivíduos.

Naquele tempo, recorria-se a uma cirurgia de remoção da pedra da loucura, que foi retratada por Hieronymus Bosch, no final do século XV, e por Rembrandt, em 1624-25. No quadro de Bosch, que tem o mesmo título que o livro de Pizarnik – hoje parte do acervo do Museu do Prado, em Madri – vê-se um médico extraindo a “pedra” da cabeça do homem que nos olha, acompanhado de um clérigo e de uma freira. No entanto, em uma observação mais demorada, nota-se que o objeto extraído é uma flor, símbolo da experiência de contato com o belo, com a exuberância da vida.

Algumas leituras do quadro dão notícia do caráter de denúncia da atividade médica desonesta, com fim puramente monetário. Uma evidência disso seria, por exemplo, o fato de o médico retratado usar na cabeça um funil, símbolo da ignorância, e ter o seu alforje de moedas atravessado por um punhal. Em A história da loucura, Michel Foucault observa a frequente presença de figuras da retórica moral (clérigos, doutores) inseridas em representações do que chama de “loucura cósmica”. Sobre o quadro de Bosch, Foucault diz que o médico é “ainda mais louco que aquele a quem pretende curar – com toda sua falsa ciência não tendo feito outra coisa senão depositar sobre ele os piores despojos de uma loucura que todos podem ver, menos ele” (1978).

Em Fragmentos para dominar o silêncio, presente no livro em questão, a poeta diz: “Não é muda a morte. Escuto o canto dos enlutados selar as fissuras do silêncio. Escuto teu dulcíssimo canto florescer meu silêncio cinza”. Aqui, o silêncio, o luto e o cinza que envelopam a flor não a impedem de existir, nem ao poema. A imagem da flor que desabrocha na fissura do silêncio, da morte, remete à escrita, que floresce. A pedra da loucura tem forma de flor, assim como a linguagem e o domínio do silêncio são o único escape da morte. Também vale a pena observar que a busca pelo poema total e a ânsia do absoluto, tão próprias da poeta, neste momento dão uma pequena trégua, assumindo-se fragmentárias, como são as flores, divisíveis em pétalas.


A MÚSICA INFERNAL

Como no título, O inferno musical pressente, neste livro, também dividido em quatro partes, Pizarnik preza pela sonoridade e por uma dimensão musical do poema. Aqui, as partes do livro são nomeadas, diferente dos números que compõem Extração da pedra da loucura, são eles: Figuras do pressentimento, As uniões possíveis, Figuras da ausência, e Os possuídos entre lilases.

De maneira semelhante ao movimento de rabisco a que me referi anteriormente, que, diante do silêncio, conjura a linguagem, o som também ativa o sentido nos poemas deste volume, de forma mais evidente do que nos livros anteriores, à revelia da reflexão do conteúdo. Diniz chama atenção para a recorrência da poeta à água, mais especificamente, ao rio em seu fluir: “O rio expõe com isso o conflito diante do fluxo do tempo, condição inalienável da escrita, e, simultaneamente, representa uma densidade verbal em que a linguagem naufraga para renascer a partir da outra margem”, diz. Esse aspecto pode ser verificado no poema Lòbscurité des eaux: “Escuto ressoar a água que cai em meu sonho. As palavras caem como a água eu caio”.

A dureza da economia excessiva de palavras dá lugar à fluidez. A mistura dos sujeitos com o mesmo complemento – “as palavras caem/ eu caio como a água” – também remete à fusão no naufrágio da linguagem. Também existem momentos de vai e vem, em que aparece uma cadência marítima, afeita à repetição, como em Cold in hand blues: “e o que é que vais dizer/ vou dizer somente algo/ e o que é que vais fazer/ vou ocultar-me na linguagem/ e por que/ tenho medo”.

Neste poema, o jogo de anulação, a impressão de algo que acontece e se acaba em si mesmo também assume tom de confissão do medo que a faz ficar escondida na linguagem e, quanto mais radical é sua aproximação, maior deve ser o medo. Em Ódio à música, livro em que reflete sobre a música e o ruído em diferentes textos literários, Pascal Quignard faz lembrar Pizarnik no que concerne ao que o sonoro traz de originário, de primeiro, de puro, lugar tão revisitado pela poeta em seus ambientes míticos: “Uma espécie de música acrescentada que desmorona o solo, que se dirige imediatamente para os gritos que nos fizeram sofrer sem que nos seja possível nomeá-los, quando nem era possível que conhecêssemos sua fonte. Sons não visuais, que ignoram para sempre a visão, erram em nós. Sons antigos nos perseguiram. Ainda não víamos. Ainda não respirávamos. Ainda não gritávamos. Ouvíamos”.

No poema O Desejo da palavra, a autora diz: “No auge da alegria declarei acerca de uma música jamais ouvida. E daí? (…)”, narrando talvez um afrouxamento, pela via do som, do senso de obsessiva responsabilidade com a palavra e com a racionalidade. Aqui, a construção “música jamais ouvida” é mais um jogo de sentido. Como se pode declarar algo sobre uma música jamais ouvida? No entanto, o poema fala de um desejo de música que a persegue e a embala de maneira sensitiva, pura, infantil, nos termos de Quignard.


O FUNDO INFINITO

Mas não nos iludamos com a apresentação dessas poucas chaves de interpretação possíveis. Nem pela via da contemplação, nem pela via da compreensão racional, nem pela via erótica da sonoridade, pode-se terminar um livro da poeta e partir sem a sensação de que talvez as próprias impressões sobre seus escritos sejam simplesmente erros, embora não haja poesia que não seja feita de erro, diz Anne Carson, em Ensaio sobre o que mais penso.

Tal sensação talvez se deva à falta de elementos contextuais explícitos, à notória aversão à política, ou à sensação de desencaixe na linguagem, que ela torna propositalmente evidente. Mas a sensação de erro deve-se, principalmente, ao silêncio que paira sobre a impossibilidade da linguagem em dizer o que diz. Mas esta angústia da leitora é o jogo de dúvida que a própria autora produz. Por exemplo, em um poema presente em Extração da pedra da loucura, dedicado a Octavio Paz, ela diz: “E é sempre o jardim dos lilases do outro lado do rio. Se a alma pergunta se fica longe a ela se responderá: do outro lado do rio, não este, mas aquele”.

O que parece é que só se pode dizer do fazer literário de Pizarnik com seus próprios poemas. O jardim, aqui, aparece como metáfora do alcance da linguagem, que está sempre em pleno escape. Sobre isso, Clarisse Lyra, pesquisadora da obra da autora, em Sombras, nada mais diz: “Falar do jardim – nomeá-lo – não é vê-lo, mas testemunhar o desejo de vê-lo, em seu impossível. A poesia, sendo um dos nomes para o lugar onde tudo é possível, é também impossível, e há um poema que não se escreverá nunca: o poema dos nomes precisos dos desejos ocultos, essas palavras que se anunciam sem nunca terminar de vir, cuja busca é uma espera triste – este poema é um jardim inacessível”.

Nas inúmeras vezes que a poeta evoca a figura do jardim, e não do bosque, por exemplo, vemos a criação de um lugar de fantasia, do retorno à perfeição inalcançável. Um jardim presume um fazer, no entanto, não diz respeito a uma paisagem dada, como a de um bosque. No fundo, pode-se pensar que o jardim encantado que imagina estende às palavras seu encanto, como em: “Ninguém pode salvar-me porque sou invisível mesmo para mim que me chamo com tua voz. Onde estou? Estou em um jardim. Há um jardim”.


COMO SAIR DE PIZARNIK

Lyra, crítica literária, poeta, tradutora e professora, protagoniza com Laura Erber uma coincidência de experiências que se tornou, para mim, uma anedota sintomática da espécie de feitiço místico que Pizarnik convoca com artifícios poéticos. Em seu texto Um começo, meio que no fim, publicado na Revista Capivara, conta que escrevia sua tese de doutorado sobre Pizarnik, quando se viu obrigada a interrompê-la. Passando por uma espécie de antessala do luto na vida real, conta não ter podido mais suportar ler seus poemas e diários: “(…) abrir de novo o seu diário, reler a sua poesia completa, tornou-se simplesmente insuportável, angustiante, algo com cuja força autodestrutiva e desestabilizadora de qualquer segurança depositada na linguagem eu não conseguia lidar, não conseguia enfrentar”.

O risco de naufragar diante de uma obra que se constrói sobre o pilar da anulação em si mesma, restando apenas um desejo sem nome colocado em palavras grandiosas, faz com que a crítica sinta certa “antipatia” por seus textos:

Também Laura Erber relatou, em 2017, uma experiência de angústia diante do texto pizarnikiano. Ela já não podia parar de ler, não podia se livrar, sentia-se, de algum modo, presa: “Mas ainda havia o problema de como parar de ler aquele livro. Já não era mais uma questão de reflexão crítica, mas uma espécie de mau humor, de irritação com um livro-arapuca ou livro roda-gigante em um parque de diversões cujo responsável pela parada do brinquedo havia ido embora sem deixar vestígios. Decidi então jogar o livro contra suas próprias imagens de regresso e crueldade. Realizei em 2005 uma vídeoinstalação intitulada História Antiga, em que um peixe vermelho agonizava por alguns segundos sobre o livro em questão”, conta a autora em Pizarnik e a busca por uma saída, publicado no Pernambuco.

Lyra não podia mais ler os poemas de Pizarnik, enquanto Erber não podia parar de lê-los. Para quem escolhe se relacionar com ela, a poeta tem talento para provocar um clima de limite. Ambas leitoras levam a cabo um abandono, cada qual à sua maneira: a primeira deixa o compromisso acadêmico com a obra, em um gesto, a meu ver, crítico e consonante com Pizarnik, entregando nada mais que o silêncio. A segunda, realiza uma vídeoinstalação em que um peixe é tirado da água e agoniza sobre o livro onde estão impressos os poemas, até ser salvo do sufoco ao ser mergulhado, junto com o livro, em um aquário; experiência que fala dos limites da vida e da morte, e convoca uma presença que demanda, para ser dissipada, um movimento entre ausências e espelho.

Desse modo, entendo que as novas edições são oportunidades para encontrar essa poeta diferente da que lemos nos volumes anteriores, despedindo-se de uma poética e inaugurando outra. Sobre esse desdobramento, podemos pensar na multiplicação de vozes que menciona em Pedra fundamental, quando diz: “Não é isto, talvez, o que quero dizer. Este dizer e dizer-se não é grato. Não posso falar com minha voz, senão com minhas vozes”. E finaliza: “Também é possível que este poema seja uma armadilha, uma trama a mais”. Sim, no que se refere à Pizarnik, a armadilha é sempre a opção mais provável.

 

NOTAS

[nota 1] “A verdadeira vida não se opõe nem à vida cotidiana nem à heroica, é a percepção do lampejo da alteridade em qualquer de nossos atos, sem excluir os mais nímios.” (A tradução é minha.)