A Editora Relicário abriu a pré-venda desse que promete ser um dos grandes lançamentos de poesia de 2020, Batendo pasto (https://www.relicarioedicoes.com/livros/batendo-pasto/), 56 poemas inéditos de Maria Lúcia Alvim, autora que havia se transformado numa raridade pelos sebos do Brasil. A edição conta com ensaios de Paulo Henriques Britto, Guilherme Gontijo Flores e apresentação de Ricardo Domeneck, que destrincha os 40 anos do silêncio poético — e também do sumiço — da poeta. "A publicação desse Batendo pasto é um acontecimento e um pequeno milagre nesse ano em que estamos tão necessitados de milagres", aponta Domeneck. Confira 4 poemas que fazem parte de Batendo pasto.
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Tempo Virado
Nervos amotinados
Cortei uma franja
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Eu era assim no dia dos meus anos
E quando me casei, eu era assim
Eu era assim na roda dos enganos
E quando me apartei, eu era assim
Eu era assim caçula dos arcanos
E quando me sovei, eu era assim
Eu era assim na voz dos minuanos
E pela primavera, eu era assim
Enquanto fui viúva, eu era assim
Enquanto fui vadia, eu era assim
E pela cor furtiva, eu era assim
No amor que tu me deste, eu era assim
E trás da lua cheia, eu era assim
E quando fui caveira, eu era assim
*
Este soneto é em usufruto
das palavras que aqui vou perpetrar.
O fruto se retalha, dissoluto.
Palavras criam corpo no lugar.
Corre os olhos num rasgo de Absoluto.
Repare nesta folha, circular.
Nesse gomo roliço, diminuto.
Na pedra corriqueira, a ressudar.
Assim o Coração, pão de minuto.
Aquilo que na moita irá grassar.
Amor pardinho, vira o dia curto.
O Bem virá depois, para ficar.
Ao contrair o Sol, zarpo de bruto:
Meeira, me aboleto, sabiar.
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O amor
soltou do meu corpo
como o tamoeiro de canga
desgovernou
todo um tempo
de amanho