No ensaio O riso da Medusa (1975), a pensadora francesa Hélène Cixous faz uma convocação sobre o que tenta elaborar como pertencente a uma escrita feminina. Logo na frase de abertura do texto, ela afirma que quer partir da ideia do que essa escrita fará. É com o verbo fazer no futuro do presente do indicativo, na terceira pessoa do singular, que penso, partindo do verso-dentro-do-romance A redoma de vidro: eu sou eu sou eu sou. Como uma voz que ecoa, não apenas como citação entre aspas sobre um momento vacilante da personagem Esther Greenwood, mas como afirmação do que ainda a escritora estadunidense Sylvia Plath(1932-1963) – portanto ela – fará como uma poeta do futuro.
A ideia de futuro não precisa ter necessariamente relação a quem lê esse texto ou mesmo de quem leu a escritora em algum momento dos últimos, pelo menos, oitenta anos – se levarmos em consideração seu primeiro poema publicado aos oito, no The Boston Traveller. Assim como a imagem que ilustra a capa desta edição do Pernambuco, a poeta, aqui, segura um globo – facilmente metamorfoseado em uma bola de cristal – e encara como a Medusa de Cixous, mas também como sua Lady Lázaro que afirma que “Das cinzas revivo/ Com meus cabelos ruivos/ E devoro homens como ar”, na tradução de Marina Della Valle.
De fato, essa fênix ruiva parece ressurgir de tempos em tempos para afirmar o que sua escrita ainda é capaz de fazer, comendo o tempo, como disse Anne Sexton sobre Plath – sua colega de martínis e discussões poéticas, no final da década de 1950. Cixous, no mesmo O riso da Medusa, também afirma não achar mais possível “que o passado faça o futuro”, mesmo que não negue os efeitos do primeiro sobre o segundo e, assim, estabelece uma recusa diante da consolidação e da reprodução de velhos padrões. Porém, a poesia de fato come o tempo, sempre correndo o risco de ter a sua feitura analisada de forma apressada pelo presente. Este, por outro lado, tem dificuldade de lidar com o que lhe é contem porâneo. Pensar que alguém escreve para o futuro é tentar não perder de vista o que foi composto na ordem do verso até mesmo antes de ele ser editado, reeditado e rearranjado no papel – como aconteceu com o Ariel, de Plath –, mas também é ler continuamente conforme as redes vão sendo construídas e colocadas à disposição.
Assim como O riso da Medusa – recentemente tra duzido do francês por Raísa França Bastos e Natália Guerrelus e publicado pela Bazar do Tempo –, observo aqui, na minha mesa, outras vozes futuras, que são dialógicas com a poeta estadunidense es crevendo nos emblemáticos anos entre a transição das décadas de 1950 e 1960: Elise Cowen, poeta novaiorquina anônima em vida, um ano mais nova que Plath e morta um ano antes, dizendo “encontro meu nome/ em cada página/ em cada palavra uma mentira” (tradução minha); Ana Cristina Cesar, no começo dos anos 1980, comentando a tradução dos versos plathianos; Ingeborg Bachmann, austríaca e contemporânea, traduzida no Brasil por Claudia Cavalcanti, falando de perdas; Anne Carson, já no século XXI, afirmando que não vai mais permitir que a Antígona perca seus gritos; a catalã Maria-Mercè Marçal, em uma seção chamada “Daddy”, dizendo “Eu que estrangulei a filha/ obediente de Ti/ e a enterrei convulsa”, na tradução de Beatriz Regina Guimarães Barbosa e Meritxell Hernando Marsal; Mariana Marino, no Brasil, dizendo que antes do cânone havia “estórias mortas/ [escritas] por gente morta/ sem glória e futuro/ e mesmo assim escreviam/ seguiam escrevendo/ axiomas do vento”.
Sylvia Plath viveu, escreveu com afinco, morreu e reverbera mesmo com todas as tentativas de editá-la e reeditá-la, de todas as biografias que construíram sua fama literária, as especulações, o mito da mulher assustadora – porém com um sorriso de uma estrela loira de Hollywood, das quais hoje conhecemos todas as infelicidades – com um dicionário na mão, escolhendo palavras como se fossem feitiços e as organizando obedientemente como mandava os manuais. Ela que, como no seu poema Olmo, afirma se desfazer aos pedaços e que o vento violento não irá poupar nada ao redor, precisa gritar e confirma (na tradução de Marina Della Valle): “Sou habitada por um grito.” O que interessa é achar formas de manter as línguas da Medusa falando – ou gritando –, sem decapitações sorrateiras.
O MAUSOLÉU, A CASA DE CERA
Depois da morte de uma poeta (observe que se eu escrevesse “um poeta”, a frase ganharia um tom mais universal), é como se ela não tivesse mais controle sobre o que foi escrito – se é que algum dia teve, talvez apenas no manuscrito, como é possível observar nos fac-símiles de Ariel, por exemplo –, portanto dependendo do futuro para que o “mausoléu, a casa de cera” (do poema Ferroadas) definam mais sobre o corpo que jaz ali. Seja na casa fune rária ou no museu em que estátuas são recriadas com alguma ideia de fidelidade, o corpo precisa de preparo para que permaneça fidedigno para dois tipos diferentes de posteridade. Porém, o corpo em si está ausente e Sylvia Plath é uma das escritoras mais mitológicas do século XX.
Sylvia Plath dispensa apresentações, está presente não apenas em adaptações cinematográficas – como Sylvia (2003), dirigido por Christine Jeffs, que narra seus últimos dias e a relação com o poeta Ted Hughes –, mas também no imaginário popular, principalmente por conta de A redoma de vidro, livro vendido numa quantidade de milhões e publicado na Inglaterra um pouco antes de sua morte, sob pseudônimo de Victoria Lucas. A biógrafa mais recente de Plath, Heather Clark, em diálogo com a escritora Maggie Nelson, diz que toda vez que uma personagem de seriados ou filmes está lendo Sylvia Plath, algo vai mal.
Os 90 anos da poeta e, pelo menos, os 60 de recepção de sua obra, reacendem não apenas a discussão do que se chamou de geração confessional estadunidense pela crítica da época e da variedade visível dos projetos estéticos dos nomes a ela associados. Mas, também, ressalta o que vem acoplado com a nomeação: a patologização contínua dos projetos estéticos – relegados ao suicídio, histeria e outras doenças mentais, assim como temáticas sensivelmente consideradas femininas, tais como maternidade, casamento e família – escritos diante de um cenário masculinizado. E não apenas mulheres passaram pela patologização, mas também homens. Poetas como Robert Lowell e, com certa polêmica, Allen Ginsberg também tiveram livros criticados pela intelectualidade da época, ainda adepta à Nova Crítica.
Desde a sua morte, no começo de 1963, o “mausoléu” de Sylvia Plath foi construído e derrubado inúmeras vezes, como se costuma fazer com a vida de mulheres que envolve abuso, suicídio e histórico de tratamento mental. A poeta Anne Sexton, por exemplo, nunca ganhou uma tradução e edição comercial de seus poemas no Brasil, mas teve traduzida a exploratória biografia A morte não é a vida (título que, inclusive, não se relaciona com o inglês), de Diane Middlebrook, que utilizou as fitas da terapia pela qual passou Sexton.
Por ter sido uma escritora ambiciosa, no sentido de uma dedicação de trabalho não apenas poético – Sylvia praticava métricas desde criança –, mas também intelectual, ela segue sendo disputada por vários lugares dos estudos literários. Desde os estudos poéticos que esmiúçam a qualidade dos seus versos com uma rica e violenta imagética que brinca com as sonoridades aparentemente mais básicas (como se percebe no poema Daddy, por exemplo), até pessoas que pesquisam a biografia e tudo o que acompanha um possível mapeamento de uma genealogia de escrita plathiana, como os diários, por exemplo.
Na atualidade, pesquisadoras como Heather Clark e Amanda Golden – para citar apenas estadunidenses – têm promovido uma verdadeira virada nessa pesquisa e ido além do que até pouco tempo atrás era colocado como insistência feminista na biografia da poeta. Clark, com seu Red comet: The short life and blazing art of Sylvia Plath, lançado no final de 2020 e finalista do Prêmio Pulitzer de 2021, consegue um feito precioso ao construir uma biografia de mais de mil páginas, incluindo acervos entre Estados Unidos e Inglaterra, embrenhando a minuciosa e calculada prática poética da autora, contexto histórico, fotos, cartas e uma narrativa instigante. O trabalho de Clark ilumina o que a própria biógrafa diz ser o que moveu sua pesquisa de quase dez anos: o que tornou Sylvia Plath a escritora que ela foi aos 30 anos?
Já Amanda Golden pesquisa a marginália de Plath, desde anotações nos papéis rosas das aulas na Smith College, sua relação afetiva com as máquinas de escrever, até anotações em livros do cânone mundial. Esse tipo de pesquisa ajuda a construir a intelectual e escritora que foi Sylvia Plath. Em seus diários e cartas, é possível perceber a importância das leituras e anotações para o desenvolvimento de sua escrita. Por exemplo, a Biblioteca Nacional do Reino Unido disponibiliza online alguns materiais, como um plano de escrita para o romance A redoma de vidro. Como nenhum rascunho da primeira versão da obra sobreviveu, esse manuscrito revela muito do processo complexo da escrita deste livro que, muitas vezes, é lido apenas como espelho da vida da escritora.
Essas pesquisas também revelam outros aspectos da formação da escritora: apesar de Sylvia Plath ter se formado “com a maior das honras” (summa cum laude), em 1955, e logo ter conseguido uma bolsa Fulbright para estudar em Cambridge, na Inglaterra, não havia como escapar do espírito da época para as mulheres. Por ironia da década de 1950, na formatura de Sylvia, o candidato democrata à presidência, Adlai Stevenson II, fez um emblemático discurso que muitas vezes é ignorado por críticos que apontam que a escrita de Sylvia Plath deveria ser mais considerada do que o fato de ela ser uma mulher vivendo naquele período.
Só o fato de um homem discursar na formatura de uma faculdade para mulheres já é um sinal da gravidade da situação para essas recém-formadas. Porém, Stevenson vai além e logo na entrada descarta as expectativas dessas mulheres terem algum destaque na crise política da época para além de seus papéis como esposas e mães que conseguem escandir um soneto shakespeariano ou fazer uma boa análise dos Quatro quartetos, de T. S. Eliot. Ele diz que “mulheres cultas têm uma oportunidade única de nos influenciar, homem e menino”.
Vale destacar, para fins de pensar que Plath ouvia esse discurso, que Stevenson, ao afirmar que mulheres não devem se preocupar com os grandes problemas do mundo, reforça que “antes, escreviam poesia. Agora, escrevem a lista da lavanderia. Antes, discutiam arte e filosofia até tarde da noite. Agora, ficam tão cansadas que caem no sono assim que terminam de lavar a louça”, como se fosse um poema grotesco, com direito a paralelismo.
Sylvia Plath nunca deixou de afirmar nos diários ou nas cartas seu interesse em ser triplamente eficiente como escritora, esposa e mãe. Não são poucas as vezes, desde o começo dos anos de 1950, pelo menos, que ela escreveu que sonhava encontrar um parceiro de vida, alguém que iria acompanhá-la na escrita e na formação de uma família. Afinal, ela era uma jovem plenamente comum da época e não queria abrir mão de nada. Porém, para a ambição de mulheres o preço era alto e, pelo menos nessa cultura estadunidense, aquelas que corriam por fora das normas pagavam com juros.
Não se deve desconsiderar que Sylvia foi como um verdadeiro “bebê de puro ouro” (como no verso de Lady Lázaro), ganhando seu primeiro concurso de poesia aos oito anos, trabalhando na prática poética desde muito jovem. Heather Clark, por exemplo, mostra um pentâmetro iâmbico, escrito por Plath aos 12 anos. No poema, já com um estilo sombrio, gótico, emulando seus futuros versos com eco, descreve cenas que deram conta da febre e dos sintomas físicos que teve logo depois daquele Natal, que a fizeram vomitar e desmaiar.
Lendo daqui, desse futuro, esse poema de Emily Dickinson (na tradução de Adalberto Müller), escrito um século antes: “Me calaram em Prosa –/ quando era Menina/ Me trancaram num Quarto/ Pois me queriam ‘quietinha’ –”, penso que é impossível pensar em Sylvia Plath como uma poeta solitária, apenas como uma mulher de destaque entre várias jovens que passaram pela mesma for mação na década de 1950. Mulheres como ela, que estudaram em faculdades como a Smith, Wellesley ou Barnard College, além do currículo masculinista, eram constantemente desencorajadas a seguirem em frente como escritoras ou intelectuais.
Heather Clark conta, em Red comet, situações de candidaturas de Plath a vagas de bolsas de escrita criativa e, nas entrevistas, acabar sendo questionada de como seguiria carreira se casasse e tivesse filhos, o que era um ponto importante para ela. Muitas vezes, as respostas para essas candidaturas se resumiram em dizer que o currículo era ótimo, mas que queriam investir em um homem. Relatos como esses são recorrentes nessa época; até mesmo em cidades mais cosmopolitas, como Nova York, mulheres que foram alunas da Barnard, como a escritora Joyce Johnson, contam que, nas aulas de escrita criativa, professores homens perguntavam como elas seriam escritoras se estavam ali em vez de estarem pegando caronas ou andando sozinhas de trem pelo país, como faziam homens, a exemplo do escritor Jack Kerouac. Como esse panorama de impossibilidade não afetaria a criatividade de uma pessoa? Como se profissionalizar como poeta, contista, romancista e/ou artista em um cenário que barra e decapita a Medusa sem dó e em nome de algo “maior”, como o medo das serpentes repletas de línguas?
MEDUSA, DE VÁRIAS LÍNGUAS
Em uma conversa recente com pesquisadoras brasileiras, Hélène Cixous, quando perguntada sobre a atualidade do uso da metáfora da Medusa, disse que uma das imagens mais poderosas em relação ao uso dessa figura mitológica era a dualidade de representar ao mesmo tempo o feminicídio da de capitação e também o renascimento, pois, do sangue jorrado da cabeça da Medusa, surge um cavalo alado, o Pégaso, símbolo da imortalidade. Cixous ainda diz que eram as muitas línguas da mulher-criatura que afastavam os homens, que as viam como serpentes, e por isso a decapitaram: primeiro corriam e depois matavam. Era o fim do mito e o começo de um cansaço diante da criatura desfigurada. A pensadora, da mesma geração que Sylvia Plath, e assim como outras mulheres sobreviventes, se reporta ao longo caminho percorrido e à importância de ter (re)encontrado as línguas perdidas ao longo do trajeto.
Lendo Adrienne Rich, em seu ensaio Quando da morte acordamos, de 1975, é impossível não se reportar à Sylvia Plath, apenas três anos mais nova que ela. Rich já era casada no começo da década de 1950 e foi premiada como jovem poeta em Yale (uma premiação organizada pelo poeta W. H. Auden), mas sentia que, mesmo autorizada, ainda não tinha sua voz própria e que precisava se escrever. Quando cito Cixous, no começo desse texto, deixei em itálico a frase sobre sua proposta de escrita feminina, considerada “essencialista” por algumas correntes do feminismo. Mas, em vários momentos do ensaio, Cixous se coloca para fora do que seria da ordem apenas do biológico e diz que é preciso escrever/inscrever o corpo e o que transborda. Pensar que o corpo e o que é da ordem do privado são tão políticos quanto as grandes decisões dos homens de guerra é algo de possível leitura na poética plathiana. Destaco a imagem e a construção do poema Cut, iniciado com a descrição de um cenário doméstico de uma cozinha, em que ocorre o corte de um dedo, ao invés da cebola. A partir da visão de uma pele rasgada, surge uma rápida montagem de cenas históricas que podem ser remetidas ao sangue derramado em vão pela guerra: peregrinos escalpelados, kamikazes japoneses com a bandeira branca e um círculo vermelho, uma gaze manchada da Ku Klux Klan.
Algo parecido acontece com Daddy, um dos poemas mais famosos e perturbadores de Plath; não à toa, a pesquisadora Marina Della Valle chamou de poemas-porrada em uma tradução publicada nos Cadernos de literatura em tradução, da USP (2006, n.7). A crítica estadunidense Marjorie Perloff, assim como Marina, diz que Sylvia é sutil na forma de construir seus poemas em Ariel. De certa forma, isso funciona também para que a violência soe eficiente nas estrofes que crescem como uma praga rogada. Poucas poetas dessa geração deixam de usar formas mais tradicionais. Pelo contrário, imprimem imagens e montam cenas de violência – muitas delas escatológicas –,usam gírias e revisam mitos como se dissessem: “aprendi direitinho a métrica, olha o que faço com ela”.
Para além das questões biográficas, Daddy, ao mesmo tempo que afirma que o pai da voz poética tem inclinações nazistas, debocha deste fato, afirmando que toda mulher gosta de um fascista. Ainda, evoca a obscenidade da língua alemã enquanto a sonoriza em alguns versos monossilábicos. Em entrevista, a poeta conta que esses últimos poemas eram para serem lidos em voz alta; ouvir a ela mesma em performance vocal é ainda mais potente. A tradução de Marina Della Valle faz isso de forma bastante eficiente nesta estrofe: “Na língua alemã, na vila polonesa/ Aterradas pelo rolo-compressor/ Das guerras, guerras, guerras./ Mas o nome do lugar é comum./ Diz meu amigo polaco”.
Quando se escreve, o futuro já está no presente da escrita. Se, por um lado, na virada da década de 1960 para 1970, Sylvia Plath, morta em 1963, já contava com uma extensa e explorada fama literária, por outro, o que de fato havia escrito ainda era atirado no cesto da marca do confessionalismo e lido com a rubrica da violência apesar dos interessantes feitos estéticos de métrica, sonoridade e diálogo com a tradição poética.
Apesar da reclamação constante de poetas, e principalmente de pessoas tradutoras de poesia – afirmando que a crítica feminista havia roubado a genialidade artesã de Plath como poeta –, os textos continuaram ao longo das décadas ganhando novas performances graças ao trabalho de tradução que colaborou para que Sylvia seguisse sendo lida. Os textos constroem pontes para o futuro e passam a ter novas possibilidades de cruzamentos pela via da tradução.
O interessante é pensar que Sylvia Plath tinha tanta ambição em ser uma grande escritora que, até nos últimos segundos, confiou nos seus projetos estéticos, deixando os poemas de Ariel organizados. Independente da situação de manipulação dos manuscritos, que envolvem uma complexa rede de relações de poder, os poemas seguiram para o futuro e, 39 anos depois da primeira edição, foram editados conforme a poeta havia organizado. Essa é a edição que foi publicada no Brasil, com a tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Cristina Macedo, pela editora Verus, incluindo os fac-símiles.
Uma poeta de construção imagética tão complexa como Sylvia Plath merece muitas traduções para, inclusive, serem lidas em paralelo, habitando a possibilidade, como diria Emily Dickinson. Além de ter aparecido em algumas antologias de poesia norte-americana traduzida, Plath teve apenas Ariel (duas edições) e uma coletânea intitulada de Poemas (também com duas edições, a segunda revisada, com tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça) traduzidos e editados no Brasil, para além das quatro traduções de A redoma de vidro. Existem outras traduções em formato de fanzine e muitas mais publicadas por blogs e revistas eletrônicas. Sem contar a grande quantidade de traduções comentadas em dissertações e teses, como é o caso, por exemplo, da recente tradução de Elis Maria Cogo, pela UFSC, para Três mulheres – uma peça radiofônica ou poema dramático, encomendado pela BBC, em 1962 –, que também funciona como uma análise de como a poeta transbordava o tema da maternidade, fosse como metáfora da escrita, fosse pensando na sua relação de filha, mãe e mulher que gesta.
Por fim, Ana Cristina Cesar, em ensaio – o que ela diz ser uma forma de estruturar e organizar os estudos que apresentava em seminários –, in titulado Traduzindo o poema curto, que compõe os seus Escritos da Inglaterra. Não apenas teoriza a difícil tradução do poema curto – que sempre pode so frer com a condensação ou com a inflação –, mas propõe duas traduções do poema Words, de Sylvia Plath. Econômico, mas com sonoridade colada nas imagens apresentadas, ele é considerado a sua ars poetica. Junto a outros que tematizam mais a dificuldade de um poema parecer vivo – em Natimorto, a voz poética diz “Estes poemas não vivem: triste diagnóstico”, na tradução de Rodrigo e Maurício –, Words compõe um acervo de poemas que buscam responder a crise existencial de parir uma linguagem para não mais roubá-la.
Ana C. cita Octavio Paz: “a atividade poética nasce do desespero diante da impotência da palavra”, e emenda afirmando que o poema exige uma decifração, apesar da estrutura aberta, de ser sintético e lento. Na tradução de Ana C., o poema fica ligeiramente mais condensado que o original, mas a tentativa difícil de economia na sintaxe do português brasileiro faz com que as palavras – que são a voz poética – ecoem, galopem, rolem e deslizem na possibilidade da tradução: “Golpes/ De machado na madeira,/ E os ecos!/ Ecos que partem/ A galope”.
As palavras como golpes e como ecos. Assim como é o vasto corpo poético da ambiciosa e sorridente jovem loira segurando a sua fiel e escudeira máquina de escrever: só isso que interessa saber sobre Sylvia Plath antes de lê-la. Cixous finaliza o seu chamamento pelo fim das decapitações, ao dizer que quando ela(s) (as autoras) se escrevem (também são traduzidas e se traduzem) “são todas aquelas que não sabemos que podemos ser, que se escrevem a partir de mim, sem exclusão, sem previsão”. Portanto, morrer, para Lady Lázaro, é apenas o começo de tudo: “Morrer/ É uma arte, como tudo mais./ Nisso sou excepcional./ Faço parecer infernal./ Faço parecer real. Eu/ Acho que pra mim é natural” (tradução de Marina Della Valle), para depois se tornar um frondoso Olmo: “Vou galopar a noite inteira assim, impetuosa,/ Até que sua cabeça vire pedra, seu travesseiro vire turfa,/ Ecoando, ecoando” (tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Mauricio Arruda Mendonça).